Ignorância é a condição do indivíduo, total ou parcialmente privado do saber necessário ao crescimento moral, intelectual1 e espiritual. Distingue-se do erro, vez que este é a noção falsa desse conhecimento, causada por ensinos impróprios contendo a compreensão inexata ou adulterada da fé, que a faz divorciada da Verdade Divina.2 Para compreender essa Verdade, Deus imprimiu em todo ser humano, desde o mais erudito e culto até o mais rude dos selvagens, uma razão superior, plantada na alma de cada um deles, para que pudessem ser levados a perceber, e contemplar a Deus e ao seu plano Divino para a redenção humana.
“[…] o desejo da sabedoria conduz ao Reino! (Sabedoria 6. 20) ”
“Pregamos a sabedoria de Deus, misteriosa e secreta, que Deus predeterminou antes de existir o tempo, para a nossa glória. Sabedoria que nenhuma autoridade deste mundo conheceu, pois se a houvessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória, (I Coríntios 2. 7 e 8) ”
A ignorância é um pecado em si mesma, desde quando DEUS se revelou ao mundo, num primeiro momento por meio dos santos profetas e posteriormente na Pessoa do Filho,3 abrindo-se Nele, o caminho4 para o conhecimento indispensável para nos conduzir à vida eterna:
“[…] porque meu povo se perde por falta de conhecimento; (Oseias 4, 6) ”
“A sabedoria e o conhecimento garantem a salvação, e o temor do Senhor será o seu tesouro. (Isaías 33, 6) ”
“[…] não quero que vivais na ignorância. (I Coríntios 12, 1)”
Estando na incumbência do ser humano, buscar, se orientar ou ser orientado às verdades da fé indispensáveis à sua salvação, omitir-se deliberadamente nessa busca ou não se submeter à orientação dos artigos da fé necessários à redenção humana resulta que a ignorância do ignorante será uma opção, e, portanto, um pecado que poderia, e deveria ser transposto e vencido:
“[…] a fé provém da pregação e a pregação se exerce em razão da palavra de Cristo. ” (Romanos 10, 17)
Mas não são todos que prestaram ouvidos às Boas Novas.
É o que exclama Isaías: “Senhor, quem acreditou na nossa pregação? (Is 53,1) (Romanos 10, 16)”
Nestas circunstâncias, a IGNORÂNCIA VENCÍVEL transforma até o mais simplório e ingênuo dos indivíduos em culpado aos olhos de Deus, tanto pelas obras más que praticou, e que se não fosse por sua negligência à sabedoria poderia não as ter praticado se soubesse que eram más, quanto pelo Bem que deixou de praticar, mas poderia fazê-lo caso soubesse se tratar de obra boa e virtuosa:
“Meu filho, guarda a sabedoria e a reflexão, não as percas de vista. (Provérbios 3. 21) ”
“Não abandones a sabedoria, ela te guardará; ama-a, ela te protegerá. (Provérbios 4. 6) ”
A ignorância que pode ser vencida, e não é, configura um pecado que torna o ignorante culpado de todo ato pensado, dito e feito contra a Vontade e a Lei Divina, as quais ele não se deu a conhecer por omissão, tornando-se transgressor por ignorar a maldade num ato que supõe ser um Bom; como por ignorar o Bem num ato que supõe ser mal. Não se pode fazer a Vontade de Deus sem conhecê-la, e não se pode amar, crer e praticar aquilo que não se conhece:
“Feliz do homem que encontrou a sabedoria, daquele que adquiriu a inteligência, (Provérbios 3, 13)”
“[…] a imortalidade se encontra na aliança com a sabedoria, (Sabedoria 8, 17) ”
Os que participam da ignorância vencível sabem apenas precariamente, e se contentam neste estado pois não desejam saber mais, firmando-se nessa ignorância cômoda. O ignorante, como filho da soberba e da preguiça,5 não deseja buscar ou se aprofundar no conhecimento sobre Deus que o levará a perfeição na fé e nos atos:
“Têm o entendimento obscurecido. Sua ignorância e o endurecimento de seu coração mantêm-nos afastados da vida de Deus. (Efésios 4, 18)
Sobre ele é decretado:
“O néscio desdenha a instrução de seu pai, mas o que atende à repreensão torna-se sábio. (Provérbios 15, 5)”
“[…] e o NÉSCIO será ESCRAVO do SÁBIO. (Provérbios 11, 29)”
A ignorância vencível é matriz dos erros que nos conduzem aos pecados mortais pelos quais nos distanciamos de Deus.
Os pecados produzidos no tempo da ignorância não serão imputados se houver conversão: “Deus, porém, NÃO LEVANDO EM CONTA OS TEMPOS DA IGNORÂNCIA, CONVIDA AGORA a todos os homens de todos os lugares a se arrependerem. (Atos dos Apóstolos, 17.30) “[…] a mim que outrora era blasfemo, perseguidor e injuriador. Mas alcancei misericórdia, porque ainda não tinha recebido a fé e o fazia por ignorância. (I Timóteo 1, 13)”
Mas a ciência sobre as verdades reveladas por Deus só será necessária e exigida, para a salvação dos que desfrutam da razão perfeita, pois há aqueles que não detém saúde mental, nem intelectual, cuja ignorância está na incapacidade de formar uma consciência da reprovabilidade do ato como um pecado ou lesão à Lei de Deus. Um roubo com consciência do pecado é uma situação, mas não ter a saúde mental que permita saber que se está roubando é outra. Temos aí, a IGNORÂNCIA INVENCÍVEL INOCENTE, que atinge os que não possuem razão perfeita, nem capacidade cognitiva de intelecção, o que os torna inculpáveis por causa da imperfeição orgânica irreversível contra a qual não podem lutar.
“A ignorância escusa do pecado, na medida que ignoramos ser um ato pecaminoso. ” (Suma Teológica art. 3 Q 75 Das Causa do Pecado em Geral)
Essa forma de ignorância se dá por conta da total exclusão da razão, como nos loucos e dementes de todos os gêneros: “Se a ignorância for tal que exclui totalmente o uso da razão, também escusa totalmente o pecado. ” (Suma Teológica, Q 75 DAS CAUSA DO PECADO EM GERAL. Art. 3º Livro IIa)
Situação diversa se encontram os de boa saúde mental e intelectual, que quando deliberadamente consentem em fazer algo, preferem se omitir e não procurar saber sobre a reprovabilidade dos seus atos, achando que assim diminuirão sua culpa. Para estes, a ignorância não exclui, só agrava a intensidade do mal que obraram.
Ocorre que entre a ignorância absolutamente invencível dos que não tem a condição mental perfeita e a ignorância vencível voluntária dos que se omitem culposamente em conhecer as verdades reveladas por Deus, há um campo intermediário chamado IGNORÂNCIA INVENCÍVEL INVOLUNTÁRIA. Neste campo estão os que possuem razão perfeita e boa saúde mental, e por causa disso não podem ser dispensados da busca pelas verdades da fé, cuja adesão se faz necessária à salvação.
Apesar da razão perfeita, estes não dispõem do acesso à evangelização.
É o caso dos indígenas vivendo isolados em suas tribos, sem qualquer possibilidade de acessar à pregação da Igreja.
Eles possuem a culpa herdada6 do pecado original pelo qual (como nós), se distanciaram de Deus e da comunhão com as realidades eternas. A misericórdia de Deus poderá lhes impulsionar a fé, movendo-os a percepção de amar apenas a um único Deus, e por causa Dele, vir a praticar o mandamento de amar ao próximo, apesar da desordem involuntária da ignorância intransponível, a qual não lhes permite distinguir a PESSOALIDADE neste Deus, nem os levar à compreensão que assim agindo estarão cumprindo a Lei do Amor Maior.
A ignorância do indígena, para eximi-los dos pecados praticados por desconhecimento da vontade de Deus, há de estar acompanhada da fé, que mesmo imperfeita por não distinguir ao Deus verdadeiro, o incline ao dever moral primário da caridade e justiça, que o permitirá cumprir o preceito da Lei Eterna, o qual se resume em “evitar o mal, e fazer o Bem” imitando Cristo, ainda que não o conheça.
Deus não se furta em se revelar aqueles que realmente o procuram de boa-fé:
“[…] PORQUE ELE É ENCONTRADO PELOS QUE NÃO O TENTAM, E SE REVELA AOS QUE NÃO LHE RECUSAM SUA CONFIANÇA. ” (Sabedoria 1.1-2)
“De fato, QUANDO OS GENTIOS QUE NÃO TÊM LEI, PRATICAM NATURALMENTE O QUE ELA ORDENA, TORNAM-SE LEI PARA SI MESMOS, MUITO EMBORA NÃO POSSUAM A LEI; pois demonstram claramente que OS MANDAMENTOS DA LEI ESTÃO GRAVADOS EM SEU CORAÇÃO. E disso dão testemunho a sua própria consciência e seus pensamentos, algumas vezes os acusando, em outros momentos lhe servindo por defesa. TODOS ESSES FATOS SERÃO OBSERVADOS NA HUMANIDADE, NO DIA EM QUE DEUS JULGAR OS SEGREDOS DOS HOMENS, POR INTERMÉDIO DE JESUS CRISTO, de acordo com as declarações do meu Evangelho. (Romanos 2. 14 a 16) ”
Pela contemplação da vida, do amor aos seus e do conjunto de toda criação, os indígenas tem uma pequena chance de se ordenarem à Lei, e consequentemente, à vontade do Legislador supremo. Assim poderão exercer todos ou alguns dos preceitos primários da Lei Divina, não fazendo ao próximo aquilo que não desejam que façam com eles, ou com os seus: não matar; não furtar; não negar comida a quem tem fome e adorar apenas a um único Deus, pois se em sua aldeia só pode haver um chefe, também no universo só pode haver um só Senhor.
Forçoso reconhecer que a salvação dos indígenas não catequizados é possível, mas de difícil ocorrência, uma situação excepcional justamente por práticas pagãs, como infantícios, sacrifícios cruéis e assassinatos. Obviamente, deixar um indivíduo tentar se salvar na ignorância, não é o ideal de Deus, pois além de exceção raríssima, a privação da catequese os impediria alcançar a beatitude e o progresso da fé.
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Por isso, eis a ordem de Cristo quanto as missões evangelizadoras que surgiram mundo afora, desde os tempos dos santos Apóstolos: “IDE por todo o mundo e PREGAI O EVANGELHO a toda criatura. (São Marcos 16, 15)”
Uma dessas grandiosas obras de evangelização aos povos selvagens foi a catequese dos padres da Ordem dos Jesuítas, na América Latina, especialmente no Brasil, com a chegada da Companhia de Jesus, liderada pelo Pe. Manoel da Nóbrega, no ano de 1.549, em Salvador, capitania da Bahia, governada por Tomé de Souza. Incansáveis em seu ofício pastoral, arriscando à morte por pestes, doenças contagiosas, animais silvestres, indígenas ferozes e até contrariando a Coroa Portuguesa e Espanhola, que desejando escravizar os povos pré-colombianos, não viam com bons olhos essa evangelização, vez que esta lhes daria a consciência da dignidade de serem filhos de Deus. Graças a catequização jesuíta, grandes nações pagãs se converteram, muitos cultos de adoração a falsos deuses, que se realizavam com sacrifícios humanos foram extintos, assim como as práticas do canibalismo (antropofagia), aborto cultual e poligamia (um indivíduo com inúmeros parceiros sexuais simultaneamente), sendo que na abolição dessas práticas, muitos índios puderam servir a Deus com grande santidade e fidelidade.7
Convém não esquecer a que a Igreja sempre atuou, e se colocou de maneira OFICIAL contra os abusos físicos, mentais e morais práticos pela danosa política escravagista das nações europeias, seja contra indígenas ou africanos, especificamente.8
1 Intelecto (inter-elegir) é a capacidade que só o ser humano possui, através do conhecimento racional, de escolher entre duas ou mais realidades possíveis; entre o certo e o errado e também entre o Bem e o mal.
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3 Havendo Deus, desde a antiguidade, falado, em várias ocasiões e de muitas formas, aos nossos pais, por intermédio dos profetas, nestes últimos tempos, nos falou mediante seu Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo o que existe e por meio de quem criou o Universo. (Hebreus 1.1 e 2)
4 São João 14, 6.
5N Não façam de si próprios uma opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente modesto, de acordo com o grau de fé que Deus lhes distribuiu.* (Romanos 12, 3)”
6 Eis que nasci na culpa, minha mãe concebeu-me no pecado. (Salmos 50, 7)”
7 São João Diego Cuauhtlatoatzin (Juan Diego) e Santa Catarina Tekakwitha, dentre outros.
8 Em relação aos ÍNDIOS, decretou a Igreja através da BULA VERITAS IPSA (1.537) LAVRADA PELO PAPA PAULO III, contra o pensamento modernista que afirmava que índios não tinham alma, e, por isso, não precisavam de catequização: “O comum inimigo do gênero humano, que sempre se opõe as boas obras para que pereçam, inventou um modo, nunca dantes ouvido, para estorvar que a Palavra de Deus não se pregasse as gentes, nem elas se salvassem. Para isso moveu alguns ministros seus que, desejosos de satisfazer as suas cobiças, presumem afirmar a cada passo que os índios das partes ocidentais e meridionais e as mais gentes que nestes nossos tempos tem chegado à nossa notícia, hão de ser tratados e reduzidos a nosso serviço como animais brutos, a título de que são inábeis para a Fé católica, e, com pretexto de que são incapazes de recebê-la, os põem em dura servidão em que têm suas bestas, apenas é tão grande como aquela com que afligem a esta gente. […] Em relação aos NEGROS ESCRAVOS, assim decretou a Igreja na BULA “Immensa Pastorum” de Bento XIV (1.741) com a qual ensinou, e combateu a escravião, o Pe. Antônio Vieira (1608-1697):“Saibam as pretos, e não duvidem, que a mesma Mãe de Deus é Mãe sua… porque num mesmo Espírito fomos batizados todos nós para sermos um mesmo corpo, ou sejamos judeus ou gentios, ou servos ou livres” (Sermão XIV). “Nas outras terras, do que aram os homens e do que fiam e tecem mulheres se fazem Os comércios: naquela (na África) o que geram os pais e o que criam a seus peitos as mães, é o que se vende e compra. Oh! trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh! mercancia diabólica, em que os interesses se tiram das almas alheias e as riscos são das próprias!” (Sermão XXVII).“Os senhores poucos, e os escravos muitos, os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome, os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros, os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses. […] Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com a sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem como os nossos? Não respiram com a mesmo ar? Não os cobre o mesmo. céu? Não os aquenta o mesmo sol? Que estrela é logo aquela que as domina, tão cruel? […]
Oh! Como temo que a oceano seja para vós Mar Vermelho, as vossas casas como as de faraó, e todo a Brasil como o Egito! Ao último castigo do Egito precederam as pragas, e as pragas já as vemos, são repetidas umas sobre as outras e algumas são novas e desusadas, quais nunca se viram na clemência deste clima. Se elas bastarem para abrandar os corações, razão teremos para esperar misericórdia na emenda, mas se os corações, como o de faraó, se endurecerem mais, ainda mal, porque sobre elas não pode faltar o último castigo. Queira Deus que eu me engane neste triste pensamento, que sempre aqui, e na nossa corte, as mais alegres são os mais cridos. Sabei, porém, que é certo – e fique-vos isto na memória – que se Jeconias e seus irmãos cressem em Jeremias, não seriam cativos,- mas, porque deram mais crédito aos profetas falsos que os adulavam, assim ele, como seus irmãos, todos acabaram no cativeiro de Babilônia” (Sermão XXVII sobre o Rosário, in Sermões, vol 12, Porto, 1951, p.333-371)