1 – Parece que as dores de Cristo na cruz não foram as maiores que um ser pode suportar, pois do ponto de vista fisiológico, na época dele existiam outros castigos e formas de torturas capazes de infligir dor maior, como a morte por combustão, a morte lenta por empalamento e outros.
2 – No mais, assim como a intensidade da felicidade se mede pela intensidade da bondade na qual estamos unidos, também a intensidade do sofrimento está na intensidade da maldade que recebemos, e sendo Cristo, sem pecado ou mácula, estava ele unido apenas a bondade.
3 – Soma-se, que Deus é justo e misericordioso, e não permitiria o Filho inocente e sem mácula, pudesse suportar dores tão extremas.
MAS EM CONTRÁRIO, dizem as Escrituras:
“[…] VÓS, QUE PASSAIS PELO CAMINHO, PARAI E VEDE SE HÁ DOR IGUAL A MINHA, QUE A MIM FORA INFLIGIDA PELO SENHOR NO DIA DE SUA VIOLENTA IRA. (Lamentações 1, 12)”
SOLUÇÃO: Sendo infinito o amor, infinita será a dor desse amor desprezado pelo ser amado, como do mesmo modo será infinita a alegria pelo amor aquiescido e correspondido verdadeiramente. Por isso, é dito que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu único filho para que todos que nele creiam não pareçam, mas tenham vida em abundância. (São João 3. 16)
O Filho de Deus, que é sua imagem perfeita, nos ama na mesma intensidade que o Pai, ao ponto de se entregar por nós, sofrendo no corpo e na alma as penas que nos recairiam no juízo Divino, para que isentados da ira de Deus, fossemos conduzidos a felicidade do primeiro amor instituído entre o Criador e os primeiros seres humanos da criação.
Em seu martírio, toda tristeza de um amor de Pai rejeitado pelos filhos, explodiram em seu coração, que de uma indescritível e profunda amargura, brotou desse coração a água que nos batiza, e o sangue que nos redime dos pecados.
Assim, ele reconstruiu o amor da humanidade pela Divindade, outrora corrompido e destruído por nossas transgressões, no que se responde as questões acima.
1 – Dores físicas são causadas pela ruína da estrutura material do corpo.
Todavia, há certas dores interiores, dores d’alma que podem ser muito mais intensas que as dores exteriores e corpóreas.
O sofrimento de um Pai santo, bondoso e justo, repudiado, humilhado, ridicularizado e desprezado pelos filhos que ele tanto ama, é do tamanho exato desse amor atingindo pelo desprezo. Logo, se Deus, o bondoso Pai, nos ama infinitamente, a dor que ele sente ao desprezarmos é também infinita. E foi essa dor que Cristo padeceu na cruz, e por isso que se diz que ele sofreu uma paixão.
Paixão, no sentido filosófico e cultural da época, significava uma condição de sofrimento moral, emocional e físico extremo, insuportável e contínuo. (Suma Teológica. Santo Tomas de Aquino. Q 35 Livro IIa. Da Tristeza e da Dor em si mesmas.)
Assim, a dor de Cristo foi a maior que já existiu, porque o amor dele por nós também foi o maior, do que ele disse aos Apóstolos, antes de ser entregue por Judas Iscariotes:
“A MINHA ALMA ESTÁ NUMA TRISTEZA MORTAL. Ficai aqui e vigiai. (São Mateus 14, 34)”
2 – Cristo de fato, sendo sem pecado ou mancha, está unido apenas a Bondade que é sua própria Divindade.
Entretanto, no momento da crucificação, embora mesmo sem nada dever, recaíram sobre ele todas as nossas dívidas de pecado[1], porque ele é o Bom Pastor, e o Bom Pastor é aquele que prefere se entregar aos lobos do que deixar perecer todo seu rebanho, como diz a profecia:
“[…] ele será o Pastor que os levará às fontes de água vívidas, e enxugará todas as lágrimas de seus olhos. (Apocalipse 7. 16)
Ele absorveu de modo tão profundo as nossas penas, a serem pagas pela maldade humana cometida do início ao fim dos tempos, que a Bondade nele se calou por um breve momento, razão porque, num grito desesperado de dor, ele suplicou:
“DEUS MEU, POR QUE ME ABANDONASTES? (São Marcos 27, 43) – “VÓS ME LANÇASTES NUM PROFUNDO ABISMO. (Salmo 87)
DESGRAÇADO DE MIM, PORQUE O SENHOR ACUMULA SOBRE MIM TRISTEZAS E DORES. DESFALEÇO EM GEMIDOS E NÃO ENCONTRO REPOUSO. (Jeremias 45. 7)
Isso se deu, para que se cumprisse aquela profecia: “POR UM MOMENTO EU HAVIA LHE ABANDONADO, MAS COM PROFUNDA AFEIÇÃO EU TE RECEBO DE NOVO. (Isaías 54. 7)”
3 – Algumas vezes é preciso ir a escuridão para encontrar a Luz.
E a Luz do mundo é a alegria da vida.
E essa Luz é Cristo, que por amor de nós, aceitou ir ao abismo e conhecer toda capacidade da maldade humana, e lá suportar todos os males para em seguida nos elevar, nos livrar desses abismos, e nos devolver sem débito ao Pai, como filhos pródigos que retornam ao lar.
A felicidade da salvação compensou a tristeza e a dor do castigo a serem pagos.
Por isso, o consolo de Cristo está na alegria do Pai, e Ele e o Pai são um. (JO 10. 30): “ […] E A VOSSA CÓLERA SE APLACOU, E VÓS, MEU DEUS, ME CONSOLASTES. (Salmo 102.8)”
[1] Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. (Isaías 53.5)