1 – Parece que o ser humano tende a buscar a religião, haja vista, que o número daqueles que aderem a irreligiosidade ou ateísmo, não crendo em nenhuma Divindade ou mundo além da nossa realidade1 ser muito inferior ao daqueles que professam alguma fé.
2 – No mais, é próprio do ser humano, consciente de suas limitações, procurar devotar-se, oferecer-se a algo que lhe é superior, ainda que esse superior seja a própria razão humana, sendo o culto à inteligência,2 de certa forma, uma manifestação religiosa e devocional.
3 – Além disso, é certo que mesmo nas sociedades primitivas e rudimentares, se buscava a religião nos astros do céu ou nos eventos da natureza, como as chuvas e os trovões, pois a consciência lhes informava que precisavam de algo maior, o qual está além do mundo criado e da própria existência humana.
MAS EM CONTRÁRIO:
Depois de toda evolução filosófica, nuclear, científica e tecnológica que experimentamos no último século, parece que não há nada que se busque, e que não possa ser encontrado no tempo presente e no mundo físico no qual existimos.
SOLUÇÃO: A razão e o intelecto, os quais nos dão a compreensão sobre a vida perfeita do corpo unido a alma, também nos dotam da trágica consciência de que no mundo natural, regido pela matéria, não será possível alguém ou algo sobreviver para sempre.
A própria ciência declara que toda matéria tem começo, meio e fim, sendo, portanto, finita, motivo pelo qual nunca teremos o domínio da perpetuidade da nossa existência.
Todavia, também discernimos que toda criação obedece a um certo Poder, um PADRÃO inteligente e invisível, o qual rege, organiza e promove a conservação harmônica e perfeita da ordem criada, conduzindo-a aos fins que justificam sua existência, do que se conclui, que se o universo é conservado e dominado por uma Inteligência Superior, e sendo essa inteligência capaz de conservar, é de igual modo capaz de criar e recriar todas as coisas. Surge então a religião,3 como a manifestação dos seres racionais4 em busca da ligação com essa Inteligência, Poder, Força criadora e conservadora de toda vida, na qual repousa a esperança do alcance da eternidade, no que se responde as questões acima.
1 – Cada indivíduo é distinto e único, mas, apesar disso, há algo comum em todos os seres humanos, independente da raça, época, cultura, sexo, idade ou classe social, que é a repulsa e rejeição à morte.
Isso se dá porque há uma consciência no coração de cada indivíduo, ainda que não declarada, que ele não foi criado para morrer, mas para usufruir da vida infinitamente.
O fato de chegarmos ao mundo sem nada trazer, e partirmos sem nada levar, sinaliza que não pertencemos a este universo, tanto quanto este universo não nos pertence, e não tendo o domínio do tempo, do início e do fim de nossa jornada, não podemos aqui encontrar a plenitude da vida.5
Daí, tende o ser humano a buscar sua vida infinita, numa outra realidade que não pode ser finita, e também não pode estar sujeita ao tempo. Sobre aqueles que não procuram a ligação com algo maior, pode ser simplesmente não queiram e exerçam esse direito de não querer, que estejam distraídos ou envolvidos demais na realidade visível e material que não perceberam a possibilidade de uma outra realidade imaterial e invisível; ou embora percebam, perderam a esperança de encontrá-la diante da incerteza gerada de tantas religiões, crenças, igrejas, credos e deuses contraditórios entre si, preferindo crer ser inatingível essa ligação com o Poder superior:
“[…] O HOMEM ESTÁ À PROCURA DE DEUS. PELA CRIAÇÃO, DEUS CHAMA TODO SER DO NADA À EXISTÊNCIA. ASSIM, ELE CONSERVA NO HOMEM O DESEJO DE SE ENCONTRAR COM AQUELE QUE O CHAMA À EXISTÊNCIA.” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA § 2566)
As religiões, se falsas ou verdadeiras, são, todavia, o testemunho da procura dos seres racionais pela plenitude da existência.
2 – É próprio do imperfeito a busca por aquilo que lhe aperfeiçoa.6
Se a eternidade é o tempo perfeito, pois nunca é escasso e nunca se esgota, a vivência finita no tempo é imperfeita.
Sendo próprio do ser humano buscar conservar-se na vida, também lhe é próprio procurar a felicidade na imortalidade, e, legítima, portanto, a busca por essa condição, outrora perdida, pois o Criador o edificou para ser eterno, nele:
“DEUS CRIOU O HOMEM PARA A IMORTALIDADE, E O FEZ À IMAGEM DE SUA PRÓPRIA NATUREZA.” (Sabedoria 2. 23)
Se só temos o presente, vez que o futuro não se sabe e o passado já se foi, é neste presente que podemos estar em contato com a eternidade que está em Deus, e que é Deus.
O tempo finito da vida é o intervalo da existência que nos permite conhece-lo, e exercer a liberdade de querer ou não participar com Ele em sua eternidade.
Mas não se pode buscar a eternidade, senão, naquele que a tem, e que é a própria personificação da eternidade e do tempo.
Substituir Deus pela sabedoria humana como sumo bem e suma felicidade é equívoco, pois Deus não falha, ao passo que a razão pode nos enganar porque é falível, assim como nossa próprio humanidade.7
Quanto mais nos aprofundamos da razão e da inteligência, mais nos deprimimos à procura de respostas que a razão e a inteligência, SOZINHAS, não nos podem fornecer, pois só Deus, a Inteligência Suprema, as possui, sendo preciso buscá-las nele. E quanto mais se progride na ciência e tecnologia, mais se progride no desamor e barbárie, mostrando-se imperfeitas e falhas para conduzir o ser humano à perfeição, tanto a ciência, quanto a razão.8
3 – Como dito, está em todo ser humano, civilizado ou não, o desejo de se ligar ao que está além do tempo e do mundo material, no que seja capaz de lhe proporcionar a eternidade, ainda que disso não se tenha consciência ou certeza.
Isso explica porque certas civilizações primitivas cultuavam objetos e fenômenos naturais como se fosse a própria Divindade. E quando adoravam, e rendiam sacrifícios ao sol, por exemplo, assim o faziam na busca pela vida porque o sol é princípio de luz e vida; e quando adoravam as chuvas, o faziam pela conservação da vida, posto ser a água princípio vital de tudo, e por fim, ao adorarem ao próprio tempo, buscavam a eternidade.8
1 Cerca de 2,3% da população mundial descreve-se como ateia, enquanto 11,9% descreve-se como não religiosa (Enciclopédia Britânica, dados de 2.007). ATEÍSMO é a negação da existência de uma Divindade pessoal e criadora. (Dawkins, em sua obra Deus, Uma Ilusão); ao passo que o AGNOSTICISMO é afirmar não ser dado ao homem saber se Deus existe, mesmo compreendendo que há uma força criadora, Crêem que aos seres humanos seja impossível encontrá-la e interagir com ela, porque a compreensão humana está limitada apenas aos sentidos que captam os fenômenos naturais e sobrenaturais realizados por esta força, não sendo capaz de conhece-la além disso. Já o Concílio Vaticano (I) assim definiu: “Se alguém disser que Deus, um e verdadeiro, Criador e Senhor nosso, por meio das coisas criadas não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, seja excluído da Igreja.” (De Revel. Can. I);
2O Iluminismo, corrente filosófica de muitos intelectuais célebres, como Jacques Hébert, Antoine-François Momoro, Pierre-Gaspard Chaumette, Joseph Fouché, estabeleceu o CULTO DA RAZÃO ou RELIGIÃO DA HUMANIDADE, onde o ser ou ente supremo no universo é a sabedoria humana. No “Festival da Razão”, realizado oficialmente em todo o país, organizado por Hébert em 20 de Brumário, em 10 de novembro de 1793, propunha-se que os mandamentos religiosos da fé Católica fossem substituídos por mandamentos cívicos.
3 Religião vem do verbo latino “religare”, que significa re-comunicar, reencontrar, religar, implicando na religação da humanidade criada com a divindade criadora.
4 Só os seres racionais podem ter a consciência das suas imperfeições e finitude de sua existência sendo, pois, própria dos seres racionais, os atos religiosos.
5 O tempo é o criador, conservador, o destruidor de tudo que existe, e nele é que se traz todos os indivíduos à existência, e nele eles são mantidos nesta existência por meio de sua duração, e completando sua existência, serão, pois, chamados ao seio imenso do passado, por meio da morte. (A CONSCIÊNCIA DE SI. LAVELLE. Louis, Cap. 10. par. I, DO TEMPO)
6 AQUINO. Santo Tomás. SUMA TEOLÓGICA. Livro IIa IIae Parte. Q 184, art 2º Da Perfeição.
7 LAGRANGE. Garrigou. O HOMEM E A ETERNIDADE. Epílogo, p. 311 e 312.
8 LAVELLE. Louis, Cap. 10. par. I, DO TEMPO. A CONSCIÊNCIA DE SI.