Por que Deus permite que uns tenham o que comer, enquanto outros passam fome? Qual a razão de uns terem tanto, e outros nada ou tão pouco? Existe a tendência humana de tentar lançar sobre Deus a responsabilidade das nossas desgraças e mazelas. Todavia, Deus não quis a fome, como não desejou a morte, a doença, a velhice na fadiga da vida e nem a expulsão do homem do Paraíso,[1] e, portanto, Ele não se deleita no esfomeamento dos que se consomem sem ao menos um prato de comida.
A pobreza social é o resultado justo da pobreza moral e espiritual de uma humanidade decaída.
Mas a Justiça de Deus não é fruto de ódio, e sim de sua infinita e sábia misericórdia.
Há certas bondades e virtudes que só apareceriam no mundo se Deus permitisse que certos efeitos do mal que o ser humano realiza permanecessem sobre ele, como a pobreza que é o fruto da ganância, do egoísmo e da corrupção, cuja necessidade do próximo nos desperta à caridade.
Viver apenas para ganhar dinheiro e acumular fortunas,[2] sem nada gastar consigo mesmo, com familiares e muito menos com os pobres, podendo assim fazê-lo, implica negar-se à piedade.
A misericórdia de quem dá é a benção de quem recebe.
Nisto temos a caridade daquele que se sacrifica para que outro ganhe; e a humildade do que recebeu, reconhecendo e louvando a atitude daquele que partilhou[3] como o modelo cristão a ser imitado.
Quem quiser ganhar há de perder,[4] e aquele que ganhar há de ter como o modelo aquele de quem recebeu.
Um se santifica na CARIDADE, enquanto o outro se santifica na GRATIDÃO.
Conservando o mal na humanidade após o pecado,[5] Deus conferiu ao ser humano por meio de Cristo, os méritos necessários para apagar os vícios da maldade através das virtudes de bondade que à eles se contrapõem. Daí a coragem vencer o medo; a esperança o desespero; a caridade da partilha suprir a carência da pobreza; a castidade apagar a depravação; o amparo dos filhos atender aos pais na velhice; a humildade sobressair-se a arrogância; a sabedoria destronar a ignorância; a verdade sobrepor-se a falsidade, e assim por diante.
“Se for preciso que a gente se glorie, eu me gloriarei na minha fraqueza.” (II Coríntios 11.30)
Há virtudes que só tem mérito porque conseguem vencer os defeitos e as imperfeições da natureza humana pecadora. Não poderíamos adquirir, pela graça Divina, a consciência para reprovar o mal, se o mal que causamos não nos fosse experimentável.
Só na repulsa do mal encontramos a valorização do Bem e dos atos de bondade.
O ser humano fora criado para realizar o amor, porque Deus é amor, e nós somos a sua imagem semelhante.[6]
Servimos a Deus no amor quando somos úteis a servir ao próximo.
Não merecíamos nada após o pecado, nem o ar que respiramos, nem a comida que necessitamos. Mas é certo que por causa da fome, aquele que partilha pôde renunciar sem se tornar infeliz, enquanto o necessitado pôde ganhar apesar de nada merecer:
“Teu inimigo tem fome? Dá-lhe de comer. Tem sede? Dá-lhe de beber. (Provérbios 25, 21)”
E assim, os dois se aperfeiçoam no Amor.
Deus não deu todas as coisas aquele que tem muito, senão no propósito deste partilhar com aqueles que nada ou muito pouco possuem. O maior socorre ao menor, tornando-se deste servil, assim como Cristo fez por nós, e assim, todos são regidos pelo mandamento do amor, tornando-se imitação de Jesus: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. (São Mateus 25. 35-40)
Deus não concede riquezas materiais apenas para a ganância, a corrupção, o materialismo e a vaidade, pois Ele não nos dá algo para nos levar a perdição e nos afastarmos Dele:
“[…] a esmola é preferível aos tesouros de ouro escondidos, (Tobias 12, 8)”
“O justo conhece a causa dos pobres; o ímpio a ignora. (Provérbios 29, 7)”
Ninguém é individualmente culpado por ter nascido num mundo onde haja fome e miséria. Entretanto, será culpado se diante disso nada fizer, deixando de compartilhar com os necessitados, as bênçãos que Deus lhe confere justamente para esta finalidade:
Quem não é capaz de repartir o pão ou as vestes, é com muito mais razão incapaz de repartir sua própria vida, sua amizade, sua dignidade e honestidade com aqueles que amam ou dizem amar: “Porque d’Aquele de quem ela recebeu o poder de agir bem, querendo-o, livremente, recebeu também o poder de ser infeliz, caso não o fizer. Entretanto, será feliz se praticar o bem. Enfim, só há culpa no caso de um ser recusar-se a ser o que tinha o poder de ser, se o quisesse. E porque aí se trata de recusar um bem que lhe foi dado, a alma se torna culpada. (Santo Agostinho. Livre Arbítrio e a Origem do Mal, p. 134 e 135. III Parte. O Pecado e a Justiça. Capítulo 15, parágrafo 43)
Quem não partilha um bem menor tornar-se-á avarento em relação aos bens maiores:
“A raiz de todos os males é a cobiça” (I Tm 6,10), isto é, a disposição de querer além daquilo que é suficiente e que cada natureza exige conforme sua própria condição a fim de se conservar. (Santo Agostinho. Livre Arbítrio e a Origem do Mal, p. 139. III Parte. Vontade Livre – Causa de Todos os Pecados. Capítulo 17, parágrafo 48)
“E disse então ao povo: “Guardai-vos escrupulosamente de toda a avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas”. (São Lucas 12, 15)”
A caridade é uma ação que Deus realiza por meio do ser humano.
Deus quer retirar os necessitados do estado famélico, mas Ele não quer realizar isso sozinho, e sim conosco, para que se santifique aquele que partilhou, tanto quanto seja abençoado aquele que recebeu: “Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis fartos! Bem-aventurados vós que agora chorais, porque vos alegrareis! (São Lucas 6, 21) “[…] porque saciarei a alma fatigada e à que enlanguesce matarei a fome”. (Jeremias 31, 25) “Quem era ladrão não torne a roubar, antes, trabalhe seriamente por realizar o bem com as suas próprias mãos, para ter com que socorrer os necessitados. (Efésios 4, 28)”
Só assim, a graça de Deus poderá ser tirada da desgraça humana.
A caridade em partilhar é o meio para santificar quem dá e quem recebe, para que a misericórdia abunde sobre o que antes, estava apenas sujeito à justiça da lei e do pecado. Estando nós, na condição de dar ou receber, o certo é sempre agradecer a Deus por essa condição, e utilizá-la para nos aproximarmos da Bondade, Caridade e Gratidão, e, portanto, nos aproximarmos de Deus: “Sei viver na penúria, e sei também viver na abundância. Estou acostumado a todas as inconstâncias: a ter fartura e a passar fome, a ter abundância e a padecer necessidade. (Filipenses 4, 12)”
Nossas Obras de Caridade:
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[1] Gênesis 2. 15-17.
[2] “Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: “Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. (São Marcos 10, 21)”
[3] O justo conhece a causa dos pobres; o ímpio a ignora. (Provérbios 29, 7)”
“[…] se deres do teu pão ao faminto, se alimentares os pobres, tua luz se levantará na escuridão, e tua noite resplandecerá como o dia pleno. (Isaías 58, 10)”
[4] “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, irá perdê-la; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, irá recobrá-la. 26. Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida? (São Mateus 16. 25-26)”
[5] Gênesis 4. 1-16 e Gênesis 3. 1-22.
[6] São João 1. 4-8