TODA IMAGEM É UM ÍDOLO?

1 — Parece que não convém nossa fé ser ensinada e auxiliada por imagens, senão apenas por palavra falada ou escrita, pois como supõem alguns1, imagens criam ídolos, violando aquele mandamento: Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está nos céus, sobre a terra, nas águas ou debaixo da terra.2

2 — Supõe-se que Deus não se revelou aos antigos por nenhuma figura ou forma visível, segundo interpretam das Escrituras: […] não vos pervertais fazendo imagens de ídolo em figura de homem, mulher ou de algum animal.3

3 — O que não pode ser visto não pode ser retratado, e se Deus é espírito invisível, parece que não convém que seja retratado, pois: “[…] de nenhuma forma o vistes quando vos falou no Horebe.4

4 — Por fim, se fizermos imagens do sagrado, deveremos honrá-las, e qualquer honra não destinada à Deus supõe-se idolatria.

MAS EM CONTRÁRIO:

“FARÁS DOIS QUERUBINS DE OURO,” (Êxodo 25. 18-20)

FAZE UMA SERPENTE e mete-a sobre um poste.” (Números 21, 8)

MOISÉS FEZ, pois, UMA SERPENTE DE BRONZE,” (Números 21, 9)

“ENTÃO TODAS AS PESSOAS DE CORAÇÃO GENEROSO VIERAM TRAZER SUAS OFERTAS AO SENHOR PARA CONSTRUÇÃO DA TENDA PARA SEU CULTO E PARA A CONFECÇÃO DOS ORNAMENTOS SAGRADOS.” (Êxodo 35. 21)

SOLUÇÃO:

O ser humano é imagem de Deus por semelhança: “(…) façamos o homem à nossa IMAGEM e semelhança.5 

Do mesmo modo, Cristo é a imagem perfeita do Pai, como dito, “(…) ele é a IMAGEM do Deus invisível6”, do que se conclui que nem toda imagem é ídolo, pois se há imagens profanas, há também santas.7

Deus é o escultor da primeira imagem sagrada da criação que é a sua própria imagem, impressa no ser humano, como também da estátua de sal da mulher de Lot deixada como advertência à incredulidade, provando que não proíbe imagens, senão, as que profanam e desonram a fé, como as que se reconhece como “deuses”, embora não sejam.

Há imagens que retratam as virtudes divinas nos indivíduos, enquanto outras mostram a corrupção.

Nas imagens sagradas, reconhecemos as obras invisíveis de Deus através das obras visíveis que ele nos deixou:

DESDE A CRIAÇÃO DO MUNDO, AS IMPERFEIÇÕES INVISÍVEIS DE DEUS, O SEU SEMPTERNO PODER E DIVINDADE, SE TORNARAM VISÍVEIS À INTELIGÊNCIA POR SUAS OBRAS; (Romanos 1, 20)” 

Ora, os objetos de seu martírio como os cravos, a coroa de espinho e a cruz, são dentre outras, imagens que revelam seu grande amor pela humanidade, e esse amor, deixado visível, há de ser retratado, no que se responde as questões.

1 — É inegável que existe uma pedagogia Divina nas imagens que retratam realidades sagradas, pois toda informação visual, captada e processada no intelecto, além de reger nossa vontade, também nos serve de direção, aprendizado e instrução, assim como nos sinais de trânsito, onde cada placa visível ao condutor ou pedestre lhe prediz certa indicação, advertência, permissão, proibição ou orientação, com dispensa de qualquer letreiro. 

E se todos os sentidos informam a razão e auxiliam o intelecto, Deus utiliza esses sentidos para nos comunicar certas as verdades necessárias à salvação.

Diversamente das imagens comuns, deve-se extrair das imagens sacras os sinais e símbolos das realidades divinas que elas retratam, como a serpente pendurada num madeiro, que Deus ordenou que se esculpisse para representar a morte de Cristo, matando na cruz, o pecado, na figura da serpente, e para os que fossem picados por cobras (numa metáfora aos que foram contaminados pela velha serpente do Éden, em seu veneno chamado pecado), cressem, e fossem curados ao tocarem na imagem:

FAZE UMA SERPENTE E METE-A SOBRE UM POSTE. TODOS QUE FOREM MORDIDOS POR COBRA, E DEPOIS OLHAR PARA A SERPENTE TERÁ A VIDA PRESERVADA”. (Números 21, 8)

COMO MOISÉS LEVANTOU A SERPENTE NO DESERTO, ASSIM COMO DEVE SER LEVANTADO O FILHO DO HOMEM.” (São João 3, 14)

2 — Deus retratou muitas coisas aos antigos sem lhes dirigir uma só palavra oral ou escrita, apenas pela simbologia das imagens:

O OUVIDO QUE OUVE, O OLHO QUE VÊ, AMBAS ESTAS COISAS FEZ O SENHOR.” (Provérbios 20, 12)

O ensino oral acompanhado do visual excede aquilo que está restrito apenas ao que se ouviu, pois mais vale para o intelecto ouvir e ver, que apenas ouvir.8

Por isso, Deus, mesmo invisível, se mostrou aos antigos profetas e reis de Israel na figura do ancião, na imagem da sarça queimando, e também como uma pomba:9 

Por isso, ordenou a confecção de imagens sacras na liturgia do culto.

TAMBÉM FEZ NA CASA DO LUGAR SANTÍSSIMO DOIS QUERUBINS DE OBRA MÓVEL, E COBRIU-OS DE OURO. (II Crônicas 3.10)

CONSTRUIU TAMBÉM UM ALTAR DE BRONZE DE VINTE COVADOS DE COMPRIMETO, VINTE DE LARGURA E DEZ DE ALTURA. FABRICOU O MAR DE METAL FUNDIDO, O QUAL TINHA UMA LARGURA DE DEZ CÔVADOS. FIGURAS DE BOIS CIRCUNDAVAM-NO TODO AO REDOR.” (II Crônicas 4. 1-6)

3 — Deus, que não tinha corpo, forma e nem aparência, não podia absolutamente ser visto.

Mas quando no Filho, Deus se mostrou na carne, tornou-se retratável nas suas ações, atos e nas realidades sobrenaturais que instituiu, nas quais podemos contemplar visualmente toda sua glória: 

ELE É A IMAGEM DE DEUS INVISÍVEL, O PRIMOGÊNITO DE TODA CRIAÇÃO.” (Colossenses 1, 15)

Ó INSENSATOS! QUEM VOS FASCINOU A VÓS, ANTE CUJOS OLHOS FOI APRESENTADA A IMAGEM DE JESUS CRISTO CRUCIFICADO? (Gálatas 3, 1)

“QUEM VÊ A MIM, VÊ AO PAI. (São João 14. 7-9)

Os ícones litúrgicos representam Cristo.

Não representam o Deus invisível, mas sim, sua Encarnação visível no Filho, inaugurando um novo modo de nos relacionarmos com as imagens.10

Havia proibição de se retratar os aspectos da Divindade, porque até aquele momento:

“[…] AINDA NÃO VISTES O SEU SEMBLANTE.” (Êxodo 33, 20) 

Todavia, o “[…] FILHO ÚNICO QUE ESTÁ NO PAI FOI QUEM O REVELOU.” (São João 1,18)

4 — Toda adoração é honraria, mas nem toda honraria é adoração, pois há honras próprias e exclusivas destinadas a Deus, e outras que Deus manda devotarmos às coisas santas.

Quem honra pai e mãe não é idólatra, mas cumpre um mandamento Divino, assim como quem honra os santos e objetos sagrados.11 

A reverência ao sagrado não é pelo que representam em sua matéria, mas por nos remeter a Deus, como espelhos das suas virtudes.

Como demonstrado com o rei da Babilônia, qualquer desonra às imagens sacras é pecado: 

O rei Baltazar deu uma festa para seus mil nobres, em presença dos quais pôs-se a beber vinho. Excitado pela bebida, mandou trazer os vasos de ouro e de prata que seu pai Nabucodonosor tinha arrebatado ao templo de Jerusalém, a fim de que o rei, seus nobres, suas mulheres e suas concubinas deles se servissem para beber. Trouxeram então os vasos de ouro que tinham sido arrebatados ao Templo de Deus em Jerusalém. O rei, seus nobres, suas mulheres e suas concubinas beberam neles, e, depois de terem bebido vinho, entoaram o louvor aos deuses de ouro e prata, bronze, ferro, madeira e pedra. Nesse momento, eis que surgiram dedos de mão humana a escrever, defronte do candelabro, no revestimento da parede do palácio real: pesado, medido e julgado. ” (Daniel 5 1-5)

É  possível perverter uma imagem sagrada e transformá-la num ídolo, como fizeram com serpente de bronze.

Mas isso não justifica renegar os ícones, porque também a letra sagrada pode ser pervertida, dando causa as heresias.

o é defeito da imagem, nem da letra, mas da fé mal instruída, pois:

“AQUELE QUE DESEJA ESCULPIR UMA IMAGEM, ESCOLHE MADEIRA QUE NÃO APODRECE; PÕE-SE À PROCURA DE UM OPERÁRIO HÁBIL, A FIM DE ASSENTAR UMA ESTÁTUA QUE NÃO OSCILE.” (Isaías 40, 20); mas, […] “AQUELE QUE QUER MODELAR UM DEUS, FUNDE UMA ESTÁTUA QUE NÃO SERVIRÁ PARA NADA. (Isaías 44, 10)


1O ICONOCLASMO foi um violento movimento político-religioso iniciado em Bizâncio, nos anos 730, por judeus e árabes influentes que se apresentavam como convertidos ao Cristianismo, que destruíram todas as imagens e esculturas sagradas, e mataram todos aqueles que as possuíam ou faziam. Eles defendiam, seguindo suas tradições rabínicas e maometanas, respectivamente, de considerar ídolo toda imagem sacra, razão pela qual, por ordem do Imperador Julião (Juliano I, o apóstata) houve proibição de suas confecções, e punição severa com morte a sua exposição e veneração, inclusive, as imagens fora no âmbito eclesiástico. Essa antiga heresia, condenada no II Concílio de Nicéia (ano 717)

2Êxodo 20. 4-6.

3Êxodo 35. 21.

4Êxodo 35. 21.

5Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. (Gênesis 1, 27)”

6 “Ele é a imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a Criação. (Colossenses 1, 15)”

7Na iconografia santa, todas as imagens devem representar Cristo nelas. Assim, a imagem de um santo transpassado por flechas, como São Sebastião, é a retratação do Amor a Deus naquele que renuncia a própria vida para não negá-lo. A iconografia busca retratar os sinais do que é semelhante a Cristo. CATECISMO §1162 “A beleza e a cor das imagens estimulam minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a dar glória a Deus.” A contemplação dos ícones santos, associada à meditação da Palavra de Deus e ao canto dos hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração para que o mistério celebrado se grave na memória do coração e se exprima em seguida na vida nova dos fiéis.

8A imagem de Deus no ser humano é tudo aquilo que é imortal e racional, como a alma, a justiça, a santidade, a retidão, o amor e assim, todas as virtudes eternas.

9 AQUINO. Santo Tomás. Comentários a Metafísica de Aristóteles.  Íten 4, p. 5

10Nossos pais comeram o maná no deserto, segundo o que está escrito: Deu-lhes de comer o pão vindo do céu” (Sl 77,24). (São João 6, 31)” Eu sou o Pão Vivo que desceu do Céu. (Jo 6. 51); “Toma em tua mão esta vara, com a qual operarás prodígios.” (Êxodo 4, 17)” Tu és sacerdote eternamente. (Hb 5.6); “porque o Senhor é nosso juiz, o Senhor é nosso legislador; o Senhor é nosso rei que nos salvará. (Isaías 33, 22)”

11Catecismo da Igreja §1159. “Honra teu pai e tua mãe, para que teus dias se prolonguem sobre a terra que te dá o Senhor, teu Deus.* (Êxodo 20, 12)” “[…] Contudo, há louvores, glórias e honras próprias a serem dadas aos fiéis, a obra criada por Deus e aos objetos sagrados insculpidos pelo homem, para que “[…] a prova a que é submetida A VOSSA FÉ REDUNDE PARA O VOSSO LOUVOR,  VOSSA HONRA E PARA VOSSA GLÓRIA quando Jesus Cristo se manifes­tar. (I São Pedro 1, 7), e “[…] PARA VÓS QUE TENDES CRIDO, CABE A HONRA.” (I São Pedro 2-7), “[…] GLÓRIA, HONRA E PAZ A TODOS O QUE FEZ O BEM, PRIMEIRO AO JUDEUS E DEPOIS AO GREGO.” (Romanos 2, 10), O povo não poderia subir ao monte Sinai, pois vós no-lo ordenastes expressamente, dizendo: FIXA LIMITES AO REDOR DO MONTE, E DECLARA-O SAGRADO”. (Êxodo 19, 23); “[…] FOI FEITA A LÂMINA DE OURO PURO, O DIADEMA SAGRADO, no qual foi gravado, como se grava um sinete: CONSAGRADO A JAVÉ. (Êxodo 39, 30)”

FOI DESONROSO A DIVINDADE ASSUMIR NOSSA HUMANIDADE?

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