1 – Parece que a natureza humana após o pecado, deteriorou-se a tal ponto que nada de bom poderia proceder de sua vontade, vivência e intelecto.[1]
2 – E, assim, nela já não haveria nada que não fosse a inclinação e capacidade máxima para maldade e absoluto prazer à transgressão, sem o mínimo de resquício ou espaço para o remorso, ética ou retidão.[2]
3 – Supõe-se, ainda, que a vontade humana tornou depravada desde a sua raiz, sempre desejando e procurando aquilo que é mau e destrutivo.[3]
4 – Por fim, parece que apesar do ser humano ter se tornando totalmente mal e depravado, é certo que o mal só não existe no mundo de maneira absoluta, porque Deus limitaria a maldade no pecador.
MAS EM CONTRÁRIO:
PORQUE O QUERER O BEM ESTÁ EM MIM, MAS NÃO SOU CAPAZ DE EFETUÁ-LO.” (Romanos 7. 18)
SOLUÇÃO: O Concílio de Trento provou que há nesta doutrina, surgida no século 16, entre os huguenotes[4], pontos desconcertados, sendo um deles, a existência do AMOR PRÓPRIO.
Ora, nunca houve neste mundo, alguém que por mais perverso que fosse, não desejasse o melhor para si próprio.
Existe naturalmente no ser humano, o desejo de ter o melhor para si, e essa virtude da moral natural que Deus lhe infundiu é UM BEM, mesmo nos maus e réprobos. Toda vontade é boa quando dirigia a um bem, se desfigurando se esse bem for irreal, aparente ou desordenado em razão de seus fins ou meios. Num indivíduo totalmente depravado, o mau e a maldade sempre lhe convém e apraz, seja contra os outros; ou contra si mesmo.
Fosse completamente depravado, o ser humano jamais poderia querer o que não fosse o mal absoluto. Todavia, o mal absoluto se autodestruiria,[5] e não conseguiria subsistir no universo, de onde vem respostas as questões:
1 – A natureza de um ser faz dele aquilo que ele é, segundo a finalidade para qual fora criado. É natural dos peixes a vida aquática; e das aves o vôo, e a vida nas alturas, da mesma maneira que É NATURAL DO SER HUMANO BUSCAR A FELICIDADE, SENDO ESTA BUSCA, ALGO BOM POR SÍ SÓ.
O pecado não tirou de nenhum ser humano o desejo de ser feliz, e desejar a felicidade é um bem, mesmo no pior dos indivíduos, sendo que o que a torna má é quando é buscada sob certas circunstância más.
A malícia humana não está na vontade de ser feliz e na busca pela felicidade, mas na desordem da consciência e razão, as quais, desorientadas, já não discernem o bem ou mal no objeto final da felicidade perseguida.
Mas, ser feliz, depende da comunhão com Deus, pois implica viver eternamente sem dores, perdas ou sofrimentos.
A transgressão e infidelidade a Deus, rompeu no ser humano o equilíbrio e a perfeição entre corpo e alma, e por isso, sua natureza, sem deixar de desejar os bem espiritual da felicidade[6], se inclina e pende mais fortemente para a felicidade efêmera que há nos BENS MATERIAIS (DINHEIRO, PAIXÕES, PODER ETC.), os quais podem desviá-lo da vida contemplativa em Deus na qual subsiste a autentica felicidade, que não se alcança, senão, por renúncia a estes.
2 – O mal não tem existência ontológica, ou seja, não pode existir em si, nem vir dele mesmo, pois, nasce da busca por um Bem da maneira errada ou com propósitos dissociados de Deus.
Ora, o SUICIDA BUSCA PAZ E SOSSEGO; O IDÓLATRA A VIDA ETERNA E TRANSCENDÊNCIA COM O SAGRADO; O DEVASSO ALMEJA PRAZER; O LADRÃO BUSCA SER FELIZ NA RIQUEZA; O AUTOFLAGELADO SE PENITÊNCIA PARA ALIVIAR A DOR DE SUA CULPA; O HOMICIDA AGE PARA REPARAÇÃO DO DANO QUE SOFRERA, ENXERGANDO-SE INJUSTIÇADO. PAZ, VIDA ETERNA, PRAZER, CONFORTO, ALÍVIO, PENITÊNCIA E REPARAÇÃO SÃO BENS LEGÍTIMOS, CONVERTENDO-SE NUM MAL NA CORRUPÇÃO DOS MEIOS USADOS PARA ATINGÍ-LOS OU NOS FINS APÓS ALCANÇADOS, QUANDO NÃO SÃO USADOS EM CONFORMIDADE COM A VONTADE DIVINA.
O amor próprio é UM BEM, posto que necessário para que O INDIVÍDUO NÃO SE AUTODESTRUA. Mas esse Bem, acaba se corrompendo, vindo a se perder no egoísmo.
3 – Não é que a vontade NÃO QUEIRA O BEM, mas o quer desfigurado, de modo que não precise de Deus para realizá-lo, e sem Deus, o ser humano não tem os méritos e as virtudes necessárias para ser justo e realizar coisas boas:[7]
“PORQUE DELE, E POR ELE SÃO TODAS AS COISAS.” (Romanos 11. 36)
A vontade deseja o Bem, mas a razão, obscurecida pela ausência de Deus já não distingue entre o Bem e o mal[8].
Logo, a Providência Divina conferiu ao ser humano, uma vontade que deseja, e quer o Bem, e isso não lhe restou tirado, nem mesmo após decair em estado de pecado.
4 – Ora, o próprio ato Divino que limitaria a maldade já seria um Bem, uma virtude concedida ao pecador, capaz de determinar sua rejeição as coisas desordenadas e destrutivas.
Obviamente, tal argumento não sustenta a teoria da depravação total ou radical.
E se algo está limitado, obviamente, não está em sua totalidade, razão porque, é falha essa teoria da total depravação da natureza humana. E, dentre os inúmeros dons espirituais que Deus infundiu potencialmente no ser humano para justamente limitar sua maldade, possibilitando-lhe evitar a condenação eterna, está a necessidade que todo ser humano tem de buscá-lo; e, ainda, da possibilidade de se arrepender dos pecados cometidos.
Nenhuma vontade pode ser enquadrada como totalmente depravada e má quando busca Deus; se tornando má, todavia, quando o busque de modo desordenado nas falsas doutrinas, nos falsos metres e nas falsas religiões, sem as diretrizes que o próprio Deus deixou aquela que é a Igreja verdadeira, coluna e sustentáculo da verdade. (I Tm 3, 5)
[1] Calvino, teólogo francês, ativista político e síndico de Genebra -Suíça (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) inventou a teoria da DEPRAVAÇÃO TOTAL OU RADICAL: “[…] o homem, como foi corrompido pela queda, TUDO FAZ POR DEPRAVAÇÃO DE SUA NATUREZA, que não pode ser movido, nem impulsionado, senão para o mal. (Cap. III, p. 63. As Institutas – Livro II) “Agora, porém, quando, em razão da depravação da natureza, TODAS AS FACULDADES estão a tal ponto viciadas e corrompidas que em todas as ações SOBRESSAI A PERPÉTUA DESORDEM E IMODERAÇÃO.” (As Institutas Livro III cap. III p. 81)
[2] “[…] os homens são tais quais descritos, não apenas pelo vezo do costume depravado, mas ainda pela DEPRAVAÇÃO DE SUA NATUREZA. (Cap. III, p. 59. Obra de Calvino “As Institutas” – Livro II)”
[3] Declaração de fé protestante (Confissão de Westminster) – “Item III. O homem, devido à sua queda num estado de pecado, PERDEU COMPLETAMENTE TODA CAPACIDADE PARA QUERER ALGUM BEM ESPIRITUAL que acompanhe a salvação. É assim que, como homem natural que está INTEIRAMENTE oposto ao bem e morto no pecado, não pode, por sua própria força converter-se ou se preparar para isso.” (1643-1.646).
[4] Concílio de Trento: Cân 815. 5. Se alguém disser que o livre arbítrio do homem, depois do pecado de Adão, se perdeu, ou se extinguiu, ou que é coisa só de título, ou antes, título sem realidade, e enfim, uma ficção introduzida na Igreja por Satanás — que seja separado de nós. [cfr. n° 793 e 797] Cân. 816. Se alguém disser que não está no poder do homem tornar os seus caminhos maus, mas que Deus faz tanto as obras más como as boas, não só enquanto Deus as permite, mas [as faz] em sentido próprio e pleno, de sorte que não é menos obra sua a própria traição de Judas do que a vocação de Paulo — que seja separado de nós. (Cânones sobre Justificação. Anos 1.545-1.563)
[5] Não existe o mal absoluto, nem nos demônios, porque até eles estão sob o domínio soberano de Deus, e só o fato de existir, e estar sob o domínio do Bom Criador já é um bem a qualquer criatura, como diz a Escritura: “Porque Nele temos a vida, o movimento e o ser.” (Atos 17. 28)
[6] A bondade da vontade depende do fim intencional. Ora, o fim último da vontade é o sumo bem – Deus. Logo, e necessariamente, a bondade da vontade humana há de se ordenar para Deus. Este bem em si, e primeiramente, comparado com a vontade Divina, constitui-lhe o objeto próprio. […] segue-se que, para ser boa, a vontade humana há-se de conformar com a Vontade Divina. ” (SANTO TOMÁS DE AQUINO. Numa Teológica. Q 19, art. 9. Da Bondade do Ato Interior da Vontade)
[7]“Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar. (Filipenses 2, 13)”
[8] “Certos ATOS EXTERIORES podem ser considerados BONS OU MAUS, em duplo sentido. Genericamente e levadas em contas as circunstâncias, diremos que dar esmola é um bem. De outro modo, em ordem ao fim, dar esmola para vanglória reputamos por um mal. ” (Suma Teológica Q 20, art. 2º Da Bondade e da Malícia)