1 – Parece que não se distinguem, o ato de crer e de acreditar em Deus, porque para crer é necessário acreditar que Deus existe.
2 – No mais, parece que ter fé é só acreditar, confiar intelectualmente na existência de Deus, do que também se diz do ato de crer, assim como dos que acreditam ou creem, se diz que talvez já tenham alcançado a salvação, pois basta acreditar na existência do Deus verdadeiro para obter vida eterna.
MAS EM CONTRÁRIO, os maiores inimigos de Deus, como Judas, o traidor de Cristo,1 e o anjo decaído são justamente os que viram Deus,2 e, portanto, tem plena certeza e acreditam na sua existência.
Todavia, embora não negassem sua existência, não se pode dizer deles, que eram amigos de Deus, e tinham nele alguma fé.
SOLUÇÃO: O ato de crer implica aderir firmemente a uma realidade3 não percebida pelos sentidos, e não totalmente compreendida pelo intelecto, pois como disse o Apóstolo:
“[…] a fé é o fundamento do que esperamos, e a certeza do que não vemos.” (Hebreus 11. 1)
[…] porque andamos pela fé, e não pelo que vemos.” (Hebreus 3. 6)
Como ensinou Agostinho4, é certo que “[…] podemos acreditar em algo sem dele esperarmos absolutamente nada […], — como fez Judas, que por nada esperar de Cristo, achou melhor traí-lo em troca de trinta moedas de prata; como também é possível andarmos não segundo aquilo que acreditamos, mas tão somente aquilo que vemos, ainda que nossa visão nos cegue — como ocorreu com o anjo decaído, que inflamado em sua vaidade, via apenas a si próprio em glória e honra, e, por isso, achou por bem tentar tomar o lugar que só pertence a Deus, no que então, se responde as questões.
1 – O que distingue aquele que apenas acredita em Deus, do que verdadeiramente crê é o fato de que este acrescenta a sua confiança na existência do ser Divino, as virtudes do conhecimento de Deus, em especial, da esperança, obediência e caridade:
ESFORÇAI-VOS QUANTO POSSÍVEL POR UNIR À VOSSA FÉ A VIRTUDE À VIRTUDE; A VIRTUDE À CIÊNCIA; A CIÊNCIA À TEMPRANÇA; A TEMPERANÇA À PACIÊNCIA; A PACIÊNCIA À PIEDADE; A PIEDADE AO AMOR FRATERNO, E O AMOR FRATERNO À CARIDADE. SE ESSAS VIRTUDES SE ACHAREM EM NÓS ABUNDANTEMENTE, ELAS NÃO VOS DEIXARAÃO INATIVOS, NEM INFRUTUOSOS NO CONHECIMENTO DO NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.” (II São Pedro 1. 5-9).
Apenas acreditar em Deus não nos levará a conhecê-lo.
Só aquele, cuja confiança na existência de Deus, fora acrescida da ciência; temperança; piedade; esperança, e principalmente, a caridade, é capaz de reconhecer as realidades Divinas que transcendem a inteligência comum e aos sentidos naturais, pois como ensinou Agostinho:
“[…] O OBJETO DA FÉ NÃO É NOS DAR A CONHECER OS FENÔMENOS SOBRENATURAIS, MAS NOS LEVAR A CONHECER E PARTICIPAR DA BONDADE DO CRIADOR.5 e, como também ensinou São Pedro “[…] PORQUE QUEM NÃO TIVER ESSAS COISAS É MÍOPE, CEGO.” (II São Pedro 1.9),
Um dos Discípulos dos Apóstolos, e um dos primeiros mártires cristãos, Inácio de Antioquia deixou à posteridade a interpretação que existe desde o século I na Igreja, sobre a virtude da fé:
“POIS O COMEÇO É A FÉ; E O FIM, A CARIDADE. AMBAS REUNIDAS, SÃO DEUS. E NINGUÉM ODEIA ENQUANTO POSSUI A CARIDADE. CONHECE-SE A ÁRVORE PELOS FRUTOS, E ASSIM, OS QUE PROFESSAM SER DE CRISTO, SERÃO RECONHECIDOS POR SUAS OBRAS.6”
2 – Acreditar em Deus sem aderir à sua vontade e aos seus preceitos não levará à salvação porque a fé apostólica é essencialmente PRÁTICA:
“Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor! – Entrará no Reino dos Céus, mas aquele que PRATICA A VONTADE DE MEU PAI que está nos céus. Muitos naquele dia me dirão: ‘Senhor, Senhor, mas não foi em teu nome que profetizamos? Em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, eu lhes direi: ‘Nunca vos conheci. AFASTE,-SE DE MIM, VOCÊS QUE PRATICAM A INIQUIDADE.” (São Mateus 7.21-23)
“ESTE É O MEU MANDAMENTO: AMAI-VOS UNS AOS OUTROS, COMO EU VOS AMO.” (São João 15, 12)
“AQUELE QUE DIZ CONHECÊ-LO, E NÃO GUARDA OS SEUS MANDAMENTOS, É MENTIROSO E A VERDADE NÃO ESTÁ NELE.” (I São João 2, 4)”
O amor à Deus só pode ser expressado na obediência que conduz à caridade, e assim, os que negam a virtude da caridade, acabam voluntária ou involuntariamente, se tornando inimigos da própria fé.
Por isso, é dito:
Ó MESTRE, FAZEI QUE EU PROCURE MAIS; CONSOLAR QUE SER CONSOLADO; COMPREENDER QUE SER COMPRENDIDO; AMAR QUE SER AMADO.
“POR CAUSA DO MANDAMENTO, SOCORRE O POBRE; E NÃO DEIXES IR COM AS MÃOS VAZIAS NA SUA INDIGÊNCIA. (Eclesiástico 29, 12)
É inútil acreditar em Deus sem participar de sua bondade, e sem almejar transcender à prática do Bem:
“QUERES VER, Ó HOMEM, COMO A FÉ SEM OBRAS É ESTÉRIL?” (São Tiago 2, 20)
Diferente dos que apenas acreditam em Deus, o ato de crer nos imprime o caráter de Cristo, no amor que se exterioriza pela caridade indispensável às boas obras.
E por isso, também lhe suplicados:
SENHOR, FAZEI-ME INSTRUMENTO DE VOSSA PAZ; ONDE HOUVER ÓDIO, QUE EU LEVE O AMOR; ONDE HOUVER OFENSA, QUE EU LEVE O PERDÃO; ONDE HOUVER DISCÓRDIA, QUE EU LEVE A UNIÃO; ONDE HOUVER DÚVIDA, QUE EU LEVE A FÉ; ONDE HOUVER ERRO, QUE EU LEVE A VERDADE; ONDE HOUVER DESESPERO, QUE EU LEVE A ESPERANÇA; ONDE HOUVER TRISTEZA, QUE EU LEVE ALEGRIA; ONDE HOUVER TREVAS, QUE EU LEVE A LUZ.
O Reino de Deus não é para indivíduos cuja fé não se projete em atitudes concretas:
“CONHEÇO AS TUAS OBRAS: E NÃO ÉS NEM FRIO, NEM QUENTE. OXALÁ FOSSE FRIO OU QUENTE!(Apocalipse 3, 15) […] NÃO ACHEI TUAS OBRAS PERFEITAS DIANTE DO MEU DEUS. (Apocalipse 3, 2)
1 Judas, inclusive, beijou-lhe a face antes de entregá-lo a morte: “Assim que ele se aproximou de Jesus, disse: “Rabi!” –, e o beijou. (São Marcos 14, 45)”
2 “Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles.* (Jó 1, 6)”
3 AQUINO. Santo Tomás. Suma Teológica. Q 4 art. 1 Livro IIa e IIae. Tratado sobre a Fé.
4 AGOSTINHO. Santo. O Sermão da Montanha e Escritos sobre a Fé. Livro IV. Enquirídio sobre fé, esperança e caridade. p. 266. Ca. IX.
5 AGOSTINHO. Santo. O Sermão da Montanha e Escritos sobre a Fé. Livro IV. Enquirídio sobre fé, esperança e caridade. p. 266. Ca. IX.
6 INÁCIO. de Antioquia, Epístola aos Esmirnenses, Cap. XIV e XV, anos 70-110)”