1 — Parece que dos conselhos não se aproveitam os perversos, servindo-lhes apenas para aumentar a culpa,[1] dando-lhes a consciência do mal que praticam, pois, para estes, não é possível escolher o Bem.[2]
2 —Talvez, as recomendações as boas práticas só sirvam aos predestinados, lhes sendo útil na retomada do caminho do amor a Deus, do qual, na condição de eleitos para salvação, não continuarão desviados.
3 — E, se as exortações são inúteis aos maus, não demovendo-lhes das más ações, então só servirão para lhes gerar ódio contra as verdades aconselhadas, as quais não conseguirão negar.[3]
3 — Por fim, parece que faz parte da Justiça Divina atormentar os ociosos e réprobos, aumentando-lhes a dor e revolta pela consciência da vida errante que levam sem possibilidade de mudança.[4]
MAS EM CONTRÁRIO:
[…] se advertires ao justo que SE ABSTENHA DO PECADO, E ELE NÃO PECAR, então viverá GRAÇAS A TUA ADVERTÊNCIA, e tu, assim, terás salvo a tua vida”. (Ezequiel 3, 21)
E ainda:
“PARA QUE A TUA BOA AÇÃO NÃO FOSSE COMO QUE FORÇADA, MAS POR VONTADE ESPONTÂNEA.” (Filemon 14)
SOLUÇÃO:
Sabedoria, ciência e conselho estão dentre os dons espirituais.[5]
Ora, não se pode aconselhar sobre aquilo que não sabe, não se conhece ou se tem compreensão distorcida ou imperfeita.
Por isso, os conselheiros, sacerdotes e Apóstolos haveriam de atingir a sabedoria e a ciência para só após, orientar o povo quanto a salvação.[6]
Tais dons só são úteis a salvação quando partilhados.[7]
Não é crível que algum dom fosse dado sem possibilidade de proveito útil.
O conselho incute o temor a Deus diante das nossas escolhas[8].
Faz crescer a prudência.[9]
Orienta a justiça, dentre as várias opções pelas quais podemos livremente ir, vir ou permanecer.
Aponta, dentre tantos, o caminho que nos conduz a salvo.[10]
Sinaliza o bem ou mal que cada escolha trará.
Ora, tudo que realizamos procede voluntariamente das nossas escolhas.
E, conquanto seja possível escolher mal ou bem, é que o Espírito Santo concede o dom do conselho para dirimir as dúvidas, a fim de retamente nos guiarmos.
Só o ser racional discerne entre o Bem e o mal.
Todavia, no estado de imperfeição, necessita de orientação para descobrir e escolher como proceder, segundo o Bem.
A liberdade humana é também dom.
É no conselho e nas exortações que conduzem ao amor de Deus, onde esse dom se aperfeiçoa.
Só existem conselhos porque há possibilidade de escolhas[11], assim como só há letreiros e placas porque há vários caminhos para escolhermos a direção, no que se responde as questões:
1 — Deus nada cria ou faz para nossa condenação.[12]
Defender isso, como teologia, denigre e ofende ao caráter Divino, o qual deseja que todos se salvem.[13]
Se os conselhos de fraternidade, amor ao próximo e rejeição ao mal, apenas servirão para aumentar a culpa, então não haveria diferença entre Deus e o diabo, o qual age para nos induzir a intensificar nossas transgressões.
Conselhos servem para que o pecador[14] se reconcilie com Deus, e, deixando o caminho da maldade, se ordene à bondade para ser salvo.[15]
2 — Mudar é uma possibilidade da vontade que é livre.
Desviar para o caminho errado e retornar ao certo, são movimentos que oscilam por decisão própria.
Exortar serve para que os justos não se desviem; e os réprobos encontrem o caminho da justiça.
Ora, desviar e reencontrar implicam mudança que só se opera na liberdade.
E se é dado à vontade ir e voltar, também lhe é dado permanecer[16], seja na maldade ou bondade.
‘TODAVIA, SE DEPOIS DE RECEBER TUA ADVERTÊNCIA PARA MUDAR DE PROCEDER, NADA FIZER, ELE PERECERÁ DEVIDO AO PECADO, ENQUANTO TU SALVARÁS A TUDA VIDA.’ (Ezequiel 33, 9)
3 – Deus não é sádico, e não se deleita no sofrimento.
Todavia, oportuniza ao malfeitor, no sofrimento causado por ele próprio, a consciência de que também está sujeito aos efeitos do mal que pratica, dando-lhe a compreensão de que a maldade não compensa.
4 – O conselho só é inútil aquele que, o recebendo, sobre ele delibera, e livremente o rejeita de modo definitivo.
Todavia, a Justiça de Deus seria imperfeita se não oportunizasse a todos dissociar do mal e eleger o Bem.
Bons conselhos abrem as portas para um caminho que jamais se fecha, o qual se poderá seguir um dia.
“NÃO SEJAS SÁBIO A SEUS OLHOS E REJEITE A CORREÇÃO DO SENHOR; NÃO DESPREZES A LEI, E NÃO ABSTENHA DE FAZER O BEM AO NECESSITADO.”
(Provérbios 3. 7, 11, 27 e 29)
[1] CALVINO. As Institutas. Cap. V, Livro II p. 85ss.
[2] CALVINO. Institutas. Livro II, Cap. p. 84ss.
[3] Paulo assinala que o ensino ministrado aos réprobos não é ocioso, visto que lhes é odor de morte para morte [2Co 2.16], embora para Deus seja suave fragrância.” [2Co 2.15]. (CALVINO. Institutas. Livro II, Cap. p. 85)
[4] CALVINO. Institutas. Livro II, Cap. p. 84ss.
[5] Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, Espírito de sabedoria e de entendimento, Espírito de prudência e de coragem, Espírito de ciência e de temor do Senhor. (Isaías 11, 2)
[6] Isso também vem do Senhor: admirável é seu conselho e alta a sua sabedoria. (Isaías 28, 29)
[7] A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum. (I Coríntios 12, 7)
[8] O temor do Senhor, eis a sabedoria! Fugir do mal, eis a inteligência’.” (Jó 28, 28)
[9] Adquire sabedoria, adquire perspicácia, não te esqueças de nada, não te desvies de meus conselhos. (Provérbios 4, 5)
[10] Ouvi, meus filhos, os conselhos de vosso pai, segui-os de tal modo que sejais salvos. (Eclesiástico 3, 2)
[11] ‘OS PRECEITOS DIVINOS NÃO FAVORECERIAM O HOMEM, SE ESTE NÃO TIVESSE VONTADE LIVRE PARA CUMPRI-LOS E MERECER A RECOMPENSA ETERNA’ (AGOSTINHO. p. 17 Cap. II par. 2. DA PERSERVERANÇA),
[…] ‘E ONDE, PARA FAZER OU NÃO FAZER ALGO, OS DIVINOS CONSELHOS EXIGEM A AÇÃO DA VONTADE, PERCEBE-SE A EXISTÊNCIA DO LIVRE ARBÍTRIO.’ (AGOSTINHO. p. 17 Cap. II par. 2. DA PERSERVERANÇA)
[12] A tua perdição, ó Israel, vem de ti. De Mim, vem apenas teu SOCORRO. ” (Oseias 13,9)
[13] “Pois isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. ” (I Timóteo 2. 3 -4)
[14] Não são os que tem saúde que precisam de médicos, e sim os doentes. Não vim para chamar justos, mas pecadores. (São Marcos 2. 17)
[15] O caminho dos corretos consiste em evitar o mal; o que vigia seu procedimento conserva sua vida. (Provérbios 16, 17)” “Venho em breve. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. (Apocalipse 3, 11)”
[16] Meu filho, nada faças sem conselho, e não te arrependerás depois de teres agido. (Eclesiástico 32, 24)” “O que rejeita a correção faz pouco caso de sua vida; quem ouve a repreensão adquire sabedoria. (Provérbios 15, 32)