A SALVAÇÃO FOI UM ATO DA CARDADE DIVINA?

1 – Poderíamos pensar que a caridade não faz parte do plano de Deus para salvação da humanidade, vez que toda caridade é meritória, ao passo que a salvação é totalmente gratuita,[1] razão porque, não poderia a obra da remissão dos pecados conter mérito humano ou Divino.

2 – No mais, ainda que o sacrifício de Cristo fosse obra da caridade Divina, o ser humano apenas o receberia passivamente enquanto beneficiário, o que por si só, já seria suficiente para salvá-lo, dispensando tornar um agente ativo ou participativo dessa caridade.[2]

MAS EM CONTRÁRIO:

A caridade é o Amor Benfeitor, que consiste colocar nossas vidas à disposição daqueles a quem queremos Bem, cuja maior e mais sublime expressão é dar a própria vida para que aqueles a quem amamos vivam, não sofram, e nem pereçam.

SOLUÇÃO:

Só é possível amar se somos capazes de partilhar e renunciar em favor daqueles a quem amamos, razão porque, se ensina que a humanidade fora criada, e salva por obra da caridade Divina.

“DAI-ME A PARTILHA DO VOSSO TRONO, E NÃO ME REJEITES COMO INDIGNO DE SER UM DOS VOSSOS FILHOS.” (Sabedoria 9, 4)

“LANCEI RAÍZES NO MEIO DE UM POVO GLORIOSO, CUJA HERANÇA ESTÁ NA PARTILHA DE MEU DEUS; E FIXEI MINHA MORADA NA ASSEMBLEIA DOS SANTOS” (Eclesiástico 24, 16)

“NENHUM HOMEM EM SI MESMO, PODE SALVAR-SE, NEM PAGAR O SEU RESGATE.” (Salmos 48, 8)

Deus nos criou para partilhar conosco toda beleza, felicidade, bondade, eternidade e perfeição que antes só haviam nele. E nos salvou para nos devolver a perfeição, vida eterna e a felicidade que havíamos perdido, voluntariamente, pela vilania do pecado, e para tanto, ele se fez servo mesmo, sendo Senhor, renunciando a sua própria vida, ainda que temporariamente, para que pudéssemos ter a esperança de viver eternamente.[3]

Dentre os graus da caridade, a renúncia supera a partilha, pois aquele que partilha ainda se mantém nos bens que partilhou. E por isso, o que renuncia a própria vida para partilha-la com aqueles que a perderam é a maior demonstração de caridade:

“PORQUE DEUS AMOU O MUNDO DE TAL MANEIRA, QUE DEU SEU FILHO UNIGÊNITO PARA QUE TODO AQUELE QUE NELE CRÊ NÃO PERECE, MAS TENHA VIDA ETERNA.” (São João 3.16)

Todavia, o que renuncia se esvazia totalmente, para que aquele que não possui possa ser contemplado e preenchido do Bem que anteriormente não dispunha, do que se conclui que Deus mais nos amou no ato da salvação, que no ato da criação,[4] e que, para o desencanto dos fideístas, que acreditam que o plano da salvação contempla apenas a fé, a caridade estará para sempre ligada à salvação, posto que do sacrifício de Jesus se pôde dizer o mais perfeito e grandioso ato de caridade já realizado, no que se responde as questões.

1 – Só Jesus tem mérito próprio para morrer e ressuscitar conosco,[5] razão pela qual, a salvação que para nós chegou gratuitamente, precedeu a Cristo meritoriamente, sendo que a participação nos seus santos méritos nos é oferecida sem cobrança de preço pessoal,[6] e por isso, se diz que é meritória da parte de Cristo, mas gratuita da parte do ser humano, conforme leciona a Santa Igreja:

“Pelos seus méritos, Cristo reconquistou o nosso direito a glória, para nos santificarmos, e merecermos o céu. Jesus é a causa meritória da nossa salvação.[7]

2 – As almas que aspiram a perfeição e a bondade não se contentam apenas em crer, confiar para receber sem partilhar.

A caridade é sempre o dom de distribuir o Bem que se recebeu, com aqueles que dele também necessitam.

Jesus, por seu sacrifício, recebeu por direito e mérito a vida eterna em sua humanidade para compartilhá-la em nossa humanidade, naqueles que com ele, permanecem em comunhão. Por isso, só a caridade nos faz verdadeiramente imitadores de Cristo, e ser imitador de Deus é apenas uma nova forma de dizer do Preceito do Amor, pelo qual devemos amar a Deus e ao próximo.[8]

Se gratuitamente recebemos, gratuitamente devemos partilhar, pois reter e guardar o Bem apenas em nós, e para nós, incorreremos no pecado do egoísmo, o qual torna o que assim age indigno de possuir o Bem que recebera.

Caridade é o amor generoso de Deus agindo em nós, e esse amor é grande demais para se limitar apenas num indivíduo.

Só a caridade santifica o afeto, sendo amor maior, o qual deverá prevalecer sobre todos os outros amores,[9] e quem não amou santamente, não pôde crer firmemente, porque não pôde conhecer a Deus.[10]

Se Deus nos amou pela caridade, também assim devemos amar uns aos outros.[11]

SE A FÉ NECESSITA DE AÇÕES CONCRETAS?


[1] “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. ” (Efésios 2.8) Mas não a fé sozinha: “O poder divino deu-nos tudo o que contribui para a vida e a piedade, fazendo-nos conhecer aquele que nos chamou por sua glória e sua virtude. Por elas, temos entrado na posse das maiores e mais preciosas promessas, a fim de tornar-vos por esse meio participantes da natureza divina, subtraindo-vos à cor­rupção que a concupiscência gerou no mundo. Por esses motivos, esforçai-vos quanto possível por UNIR À VOSSA FÉ a virtude, à virtude a ciência, à ciência a temperança, à temperança a paciência, à paciência a piedade, à piedade o amor fraterno e ao amor fraterno A CARIDADE.” (I São Pedro 1. 9) Porque como ensinou São Paulo: “A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da Lei. (Romanos 13, 10)” 

[2] Alguns tomam erroneamente o que disse o Apóstolo, crendo que basta confessar verbalmente a fé: “se com tua boca confessares que Jesus é o Senhor, e se em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10. 9). Todavia, o apóstolo quando não reproduz, senão, aquilo que já havia sido dito pelo profeta: “Esse povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto seu coração está longe de mim ” (Isaías 29. 13

[3] “E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. (Filipenses 2, 8)”

[4]  “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou. (São João 13, 1)”

[5] “Seu zelo lhe foi imputado como mérito, de geração em geração, para sempre. (Salmos 105, 31)” 

[6]  “Caríssimo é o preço da sua alma, jamais conseguirá (Salmos 48, 9); “[…] por intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus. (Colossenses 1, 20)”

[7] (Compêndio de Teologia Mística e Ascética, TANQUEREY. Adolpho, Cap. II – Da parte de Deus na vida cristã. p. 61 e 81)

[8] “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos muito amados. (Efésios 5, 1)”

[9]  “Do Amor de Deus. SALES. São Francisco. Livro X. par. VI, p. 10.

[10] “Quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é amor. (I São João 4, 8)

[11]  I S João 4, 11.

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