1 – A caridade é o mais excelente dos dons, pois subsiste no amor, e Deus é Amor.[1] E se nele que é Amor não há imperfeição, parece que também nossos atos de amor não sejam passíveis de imperfeição.
2 – No mais, a caridade é o dom espiritual superior, pois entre a esperança, a fé e o Amor, prevalece o Amor,[2] razão porque se coloca em dúvida se, em certas condições, possa a caridade, a mais sublime expressão do Amor, vir a ser imperfeita.
3 – Soma-se, que a caridade é o cumprimento perfeito de toda lei de Deus,[3] e onde há perfeição não há defeito, razão porque, na caridade, talvez possa não haver perversão ou desvio.
MAS EM CONTRÁRIO:
GUARDAI-VOS DE FAZER A VOSSA PARTILHA DIANTE DOS HOMENS PARA SERDES VISTOS POR ELES. QUANDO PARTILHARES, NÃO FAÇAS TOCAR TROMBETA DIANTE DE TI, COMO FAZEM OS HIPÓCRITAS NAS SUAS SINAGOGAS E NAS RUAS, PARA SEREM GLORIFICADOS PELOS HOMENS. EM VERDADE VOS DIGO, QUE JÁ RECEBERAM A SUA RECOMPENSA. MAS QUANDO FIZERDES CARIDADE, NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA, PARA QUE A TUA PARTILHA SEJA DADA EM SEGREDO; E TEU PAI, QUE VÊ TUDO QUE ESTÁ EM SEGREDO, TE RECOMPENSE PUBLICAMENTE.” (São Mateus 6. 1-4)
SOLUÇÃO: A caridade é a virtude máxima do Espírito[4], a qual recebemos no Batismo para conservá-la na verdade, na justiça, na esperança, na fé, mas principalmente, no Amor, do que se conclui que se não permanecermos no Amor, o Amor não permanecerá em nós; e sem Amor, a caridade se torna vã, desviando-se do seu fim que é reconstruir em cada indivíduo o caráter de Cristo:
AINDA QUE DISTRIBUÍSSE TODA MINHA FORTUNA PARA SUSTENTO DOS POBRES E NÃO TIVESSE AMOR, NADA DISSO ME APROVEITARIA.” (I Coríntios 12.3)
Dar nossa vida pelo próximo é matar em nós o egoísmo, a vaidade, a ganância e a insensibilidade pela dor alheia, morrendo cada dia com todas essas coisas que nos afastam do Amor, para que possamos nele renascer a cada dia, pois amar a Deus é também amar a sua imagem[5], insculpida em cada um de nós:
“SE VOCÊS CUMPRIREM MEUS MANDAMENTOS, PERMANECERÃO NO MEU AMOR, ASSIM COMO TENHO CUMPRIDO OS MANDAMENTOS DO MEU PAI, E EM SEU AMOR PERMANEÇO. NINGUÉM TEM MAIOR AMOR DO QUE AQUELE QUE DÁ SUA VIDA PELOS AMIGOS. VOCES SERÃOS MEUS AMIGOS SE FIZEREM O QUE MANDO. E O MEU MANDAMENTO É QUE AMEM UNS AOS OUTROS, COMO EU VOS AMEI.” (São João 15. 4, 12, 13 e 14)
Quando perdemos a Luz do Amor, A FÉ se perverte em heresia, pois a heresia é a falta de amor à verdade:
AINDA QUE TIVESSE TODA FÉ DE MANEIRA TAL QUE TRANSPORTASSE OS MONTES, E NÃO TIVESSE AMOR, EU NADA SERIA.(I Coríntios 12 4)
Assim também é A ESPERANÇA, pois, aquele que nunca amou, nada espera; ou espera por coisas que são contrárias ao próprio Amor:
“DEUS É AMOR. TODO AQUELE QUE PERMANECE NO AMOR, PERMANECE EM DEUS, E DEUS NELE.” (I São João 4. 15-16)
Se não permanecermos no Amor, a caridade, que é a virtude do Amor Divino reagente em nós, se torna afeto natural, o qual se inclina em primeiro plano à satisfação dos interesses próprios, seja na vaidade, no proselitismo, falsidade ou na ganância daquele que só partilha quando há expectativa de prestígio ou ganho maior que a própria bondade ofertada, tornando esta imperfeita, no que se responde as questões.
1 – Não se pode confundir a virtude com o virtuoso; assim como não se confunde a caridade com o caridoso. Embora a caridade seja perfeita enquanto virtude em Deus, a pessoa a quem é dado praticá-la não é, e por isso, a perfeição da caridade só vem de Deus, e para não pervertê-la, devemos permanecer em Deus, para que ele permaneça em nós, produzindo os atos de bondade, e, santificando-os, não os deixem se corromper pela vaidade, desonestidade ou cobiça; e nem deixem de existir por preguiça, ignorância, heresia, inação, covardia ou insensibilidade:
“EU SOU A VINHA VERDADEIRA, E MEU PAI É O GUARDIÃO DA VINHA. ELE CORTA EM MIM TODO RAMO QUE NÃO DÁ FRUTO, E TODO RAMO QUE DÁ FRUTO ELE PODA, PARA TORNÁ-LO MAIS FRUTÍFERO.” (São João 15, 1)
“EU SOU A VIDEIRA, VÓS, OS RAMOS; QUEM ESTÁ EM MIM, E EU NELE, ESSE DÁ MUITO FRUTO;” (São João 15.5)
Não precisamos ser perfeitos para praticar a caridade, pois, na caridade, Deus nos aperfeiçoa.
2 – O amor perfeito, chamado CARIDADE, que nos capacita renunciar aos nossos interesses frívolos por amor ao próximo, está em Deus, pois Deus é a personificação desse Amor que se sacrifica.
Logo, só em Deus o Amor é capaz de existir por si só, sem medida, contrapartida ou condição[6].
Todavia, não somos capazes desse Amor, senão, quando livremente aderimos e participamos dele por meio de Deus, do que se conclui também que se livremente não desejamos amar, o Amor não se manterá vivo em nós.
Nestas circunstâncias, a caridade se corrompe no indivíduo por sua LIVRE VONTADE, definhando-se até não mais subsistir, porque só se manterá acesa e duradoura se Deus assim a sustentar:
“PORQUE SEM MIM NADA PODEIS FAZER.” (São João 15.5)
“O SENHOR ESTÁ CONVOSCO, ENQUANTO VÓS ESTAIS COM ELE; SE O BUSCARES, ELE SE DEIXARÁ ACHAR. PORÉM, SE O DEIXARDES, ELE VOS DEIXARÁ.” (II Crônicas 15, 2)
3 – Nenhuma lei humana se cumpre na teoria, mas somente na prática.
E a Lei de Deus não é diferente.
Por isso, o cumprimento perfeito da Lei Divina, que acontece na caridade, só pode existir na prática, sendo que amar a Deus e ao próximo não pode estar apenas numa ideia inserida numa devoção religiosa abstrata, falha, infrutífera e fingida.
Ao contrário, há de ser algo concreto, destinado à pessoas concretas.
A caridade é também a fé tornada perfeita, visível e útil:
PORQUE OS QUE OUVEM A LEI NÃO SÃO JUSTOS DIANTE DE DEUS, MAS OS QUE PRATICAM A LEI HÃO DE SER JUSTIFICADOS.” (Romanos 2, 13)
Tudo que cria ruptura com o Amor sagrado, transforma a fé apenas num ritual vazio e morto, que se ensoberbece no orgulho fundamentalista, criando ecos de egoísmo que desaguarão no fanatismo violento contra aqueles que nessa fé não se inserem.
Por isso:
“TODAS AS VOSSAS COISAS SEJAM FEITAS COM AMOR.” (I Coríntios 16.14)
“SURGIRÃO MUITOS FALSOS PROFETAS, E ENGANARÃO A MUITOS. E, POR SE MULTIPLICAR A INIQUIDADE, O AMOR DE MUITOS ESFRIARÁ.” (São Mateus 24.11,12)
“QUE O SEU AMOR NÃO SEJA FINGIDO. ABORRECEI O MAL, E APEGAI-VOS AO BEM.” (Romanos 12. 9)
[1] Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. (I João 4.8)
[2]Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor. (I Coríntios 13. 13)
[3] O amor não faz o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da Lei. (Romanos 13, 10); “Pois toda a Lei se resume num só mandamento, a saber: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” (São Mateus 22.39)
[4] O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; (I Coríntios 13. 8)
[5] Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. (Gênesis 1, 27)
[6] Santo Agostinho. Homilia sobre o Evangelho de São João 19. 31-37.