FÉ É O PENSAMENTO POSITIVO PARA O QUE DESEJAMOS ACONTEÇA?


1 — Parece que a fé nasce da vontade e do desejo intenso de querer muito aquilo que ainda não se tem.[1]

2 — Parece ainda que ter fé é simplesmente desejar e acreditar, e pela lei natural, é certo que o ser humano acredite e queira para si somente coisas boas.

3 — Por fim, parece que a fé está no desejo do milagre, como na mulher hemorrágica, curada ao ir ao encontro de Cristo para tocá-lo[2] acreditando que receberia a cura para seus males corporais, como de fato recebeu.”

MAS EM CONTRÁRIO:[3]

PELA GRAÇA DOIS SALVO, PELA FÉ, E ISSO NÃO VEM DE VÓS, POIS É PURO DOM DE DEUS.

SOLUÇÃO:

A vontade, o querer e o desejar não tendem o ser humano naturalmente a Deus, senão apenas para si próprio.

Logo, a fé não é produto da vontade humana, desordenada por buscar egoisticamente só aquilo que lhe é objeto de prazer e cobiça, e sim, uma virtude infusa pela graça Divina que nos permite crer e reconhecer Deus em sua revelação e propósito para todos nós, que é a vida sobrenatural ao seu lado.

A fé não se presta a satisfação do ego ou ganância numa vida efêmera e temporária.

O que se produz na vontade humana natural não é fé, mas desejo incontido de suprir as necessidades dos instintos, paixões e sensibilidade, pois a vontade provém da animalidade, ao passo que a fé provém exclusivamente da espiritualidade.

Crer depende, sem dúvida, da vontade.

Mas, antes, é necessário que essa vontade se abra e se permita a Deus, renunciando aos bens terrenos, vindo a ser preparada pela graça para elevar-se ao que lhe excede à natureza, buscando, com o auxílio da razão, aquilo que é eterno, e que lhe proporcionará a comunhão com o ser Divino, quando então a vontade Divina atuará em nós, como disse o Apóstolo: 

FUI CRUCIFICADO COM CRISTO. ASSIM, JÁ NÃO SOU EU QUEM VIVE, MAS CRISTO QUE VIVE EM MIM.[4]

Não se pode dizer que a fé esteja no desejo intenso por qualquer coisa, como ganhar um carro, obter emprego com alta remuneração, amizades, amores e saúde, dentre outros.

Ora, isso não é outra coisa, senão apenas desejos, sem efeito algum na realidade espiritual e prática, se junto com a vontade de tê-los, não busquemos adquiri-los, e, obviamente, será essa busca abençoada, desde que tais coisas não nos tirem do caminho da salvação, tornando-se o foco da nossa existência.

A fé é algo muito maior que um querer intenso.

É o querer que nos move a agir no sentido daquilo que devemos realmente querer.

E o que devemos querer é a vida sobrenatural com Deus, que transcende ao tempo.

Como ensinou Agostinho, a fé autêntica reside somente no desejo e na vontade de buscar, invocar e louvar a Deus por si só:

LOUVARÃO O SENHOR AQUELES QUE O PROCURAM, E OS QUE O PROCURAM O ENCONTRARÃO; E TENDO ENCONTRADO, O LOUVARÃO. QUE EU TE BUSQUE INVOCANDO, E QUE TE INVOQUE CRENDO. INVOCO-TE, SENHOR, NA MINHA FÉ QUE ME DESTE.[5]

Logo, o objeto da fé não pode estar nos motivos que ordenam a vontade humana natural, pois estes, nodoados em nossa corrupção, irão sempre desejar aquilo que é supérfluo, fruto de nosso egoísmo, e que nos apraz sem compromisso de nos conduzir ao Bem Supremo.[6]

Só quando se abre e se dispõe livremente a ser ordenada pela graça Divina, é que a vontade desperta para o gosto, felicidade e prazer pela busca daquilo que nos remete exclusivamente a Deus como objeto principal da nossa existência, no que se responde as questões acima.

1 — O desejo de crer não é suficiente para crer, e por isso não adianta querer intensamente a salvação, sem aderir verdadeiramente a autêntica fé que a ela nos conduz, como proclama o Concílio de Trento:

Cânon 813. 3: SE ALGUÉM DISSER QUE SEM A INSPIRAÇÃO PROVENIENTE DO ESPÍRITO SANTO E SEM O SEU AUXÍLIO, PODE O HOMEM CRER, ESPERAR E AMAR OU ARREPENDER-SE, COMO CONVÉM PARA LHE SER CONFERIDA A A GRAÇA DA JUSTIFICAÇÃO, QUE SEJA EXCOMUNGADO.”

2  — A fé é uma construção contínua e progressiva, à medida que a nossa vontade já não nos governa.

Assim, nosso ser passa agir em conformidade com a vontade Divina, e a vontade Divina é manifestada visivelmente no exemplo de Cristo que abdicando de seus desejos, realiza a contento a vontade do Pai, por mais dolorosa que tenha sido, ofertando-se para tirar da sua própria humanidade, a justiça para os pecados da humanidade decaída — “PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE. MAS QUE SEJA FEITA A TUA VONTADE, NÃO A MINHA.

A intensidade da nossa vontade não exercerá qualquer ação sobre o ser Divino para agir conforme o que desejamos.

Não é a intensidade da vontade, mas a busca por Deus, em primeiro plano, que fará com que o próprio Deus nos habilite a conseguir aquilo que desejamos, em segundo plano.

Deus não concede aquilo que nos afasta dele, pois Ele não pode ser apenas um meio instrumental para nossos desejos por bens temporais.

A vontade, antes de tudo, há de ser guiada por nossa razão, para que saibamos de fato, o que precisamos, e o que precisamos é somente a comunhão com Deus, porque só através dela teremos a vida eterna.

3 —  A fé é mais que um querer.

É um querer que nos move a agir no propósito daquilo que queremos.

Em razão disso, a mulher hemorrágica, mesmo com sua precária condição de saúde, não ficou rezando em seu lar, mas foi ao encontro de Jesus para tocá-lo, quando então restou curada.

A fé não é um fim em si mesma, mas o meio que nos move e nos conduz a buscar, reconhecer e tocar em Cristo.

A mulher que sofrida de hemorragia, ao tocar as vestes de Cristo, acreditando ser ele o Deus que lhe curaria, além da cura do corpo, recebeu a salvação da alma, e, por isso, ele lhe disse: – A TUA FÉ LHE SALVOU.

Como ensinou Santo Tomás:

“A FÉ É ACREDITAR NA REALIDADE QUE TRANSCENDE A RAZÃO, A VONTADE E OS SENTIDOS. É O ASSENTIMENTO DAS NOSSAS AÇÕES EM CONSONÂNCIA COM A ESSAS REALIDADES, PORQUE O HOMEM, ASSENTIDO NAS VERDADES DA FÉ, ELEVA-SE ACIMA DA SUA NATUREZA, O QUE NÃO PODE SE DAR, SENÃO, POR UM PRINCÍPIO SOBRENATURAL, QUE O MOVE DE DENTRO, E QUE É DEUS. LOGO, A FÉ, QUANTO AO ASSENTIMENTO QUE É O PRINCIPAL, NO ATO DA MESMA, VEM DE DEUS, MOVENDO INTERIORMENTE, PELA GRAÇA.[7]

EXISTE FÉ SEM CARIDADE?


[1] A “teologia” da Confissão Positiva ou movimento do “novo pensamento cristão” é uma teoria supersticiosa que surgiu entre grupos protestantes norte-americanos no início da década de 1.960, que defende a crença nos poderes mágicos do pensamento, das palavras e da vontade, que dada a intensidade, poderá atuar como encantamento para obter tudo aquilo que se deseja. Para tanto, bastaria aliar ao pensamento, a vontade e as palavras a invocação do Nome de Deus, como se fosse um amuleto mágico, e tudo, absolutamente tudo que tivermos vontade, pela fé, acontecerá. Outra ideia bem desse movimento é que Jesus não teria ensinado aos seus discípulos a fazerem orações ― pedindo, suplicando a Deus alguma coisa, mas ensinado que devemos orar em seu Nome ― exigindo, ― determinando, pois para aquele que crê, das dádivas, milagres e bem são direito, não fruto da misericórdia ou da soberania da vontade de Deus. HAGIN, Kenneth E. Pensamento certo ou errado. Rio de Janeiro: Graça, 2000. p. 79)

[2] E eis que uma mulher que havia já doze anos padecia de um fluxo de sangue, chegando por detrás dele, tocou a orla da sua veste, porque dizia consigo: Se eu tão somente tocar a sua veste, ficarei sã. E Jesus, voltando-se e vendo-a, disse: Tem ânimo, filha, a tua fé te salvou. E imediatamente a mulher ficou sã. (Mt 9. 20-21)

[3] Efésios 2. 8-10.

[4] Gálatas 2.20.

[5] AGOSTINHO. Confissões. Livro I. cap. 1. p. 21)

[6]  Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas. (Mt 6. 33)

[7] Suma Teológica. Livro Ia e IIea. Q. 6. Art. 1. Se a fé é infundida no homem por Deus.

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