1) – Parece que não seria justa a condenação eterna do pecador, pois como defendem juristas e filósofos,1 toda pena deve ser proporcional ao delito, e sendo toda ação delituosa finitiva no tempo, por que sua pena haveria de ser eterna?
2) – No mais, se Deus não se lembrará dos nossos pecados, como disse o profeta,2 a punição eterna seria uma punição sem que o Justo Juiz tivesse a recordação dos motivos pelo qual nos pune.
3) – Além disso, a lógica filosófica ensina que todo efeito cessa com o cessar de sua causa, razão porque, conclui-se que a punição haveria de encerrar num tempo razoável, quando o castigo já se mostrasse satisfatório a reparar o dano causado ao ofendido.
4) – Por fim, nem todo pecado é contra Deus, já que podemos pecar contra nosso semelhante, e ainda que tomássemos o pecado impenitente contra Deus como perpétuo, já que Deus sendo eterno, também é eterna toda ofensa praticada contra o ser eterno, isso não se aplica ao nosso próximo que é mortal, cuja dor e dano causados a ele por nosso pecado se encerrará no findar de sua vida.
MAS EM CONTRÁRIO, sendo eterna a Justiça de Deus (Sabedoria 1.9), eterna será tanto glória do santo, quanto a perdição do pecador não arrependido.
SOLUÇÃO: Pecado é toda ofensa contra a consciência, o amor, a ordem e as leis eternas de Deus, e que decorre do apego perverso à desordem natural, que coloca a vontade individual em desalinho com a vontade Divina. “Peccatum” ou erro de foco é qualquer ato pensado, dito ou feito contra Deus ou que não tenho Deus como propósito principal,3 colocando o ser humano e a Divindade em lados opostos, em inimizade mesmo após a morte do pecador, sendo por isso necessário em vida um movimento racional de fé chamado arrependimento, para reconciliar, reparar e reconduzir esse pecador de volta ao Criador para usufruir da felicidade plena: “SEMPRE SOU EU QUEM DEVE APAGAR TUAS FALTAS, e não mais me lembrar de teus pecados.” (Isaías 43, 25) O pecado que nos condena só finda pelo perdão, só deixando de existir pela misericórdia Divina. Todo insulto contra Deus, se NÃO PERDOADO, torna-se perpétuo e irreparável após a morte do pecador, no que se responde as questões acima:
1 – Acaso os efeitos maléficos de um assassinato findam no momento em que o assassino encerra o ato de matar? E o ato do que estando no leito de morte amaldiçoa Deus, tem seus efeitos cessados na morte do moribundo? Portanto, é certa esta ciência, de que todo pecado contra Deus, embora finitivo na prática, é infinito em seus efeitos, e se não perdoado, nem reparado por Cristo, será a mácula que o pecador carregará eternamente na sua história com Deus, e também em sua alma imortal. Certa, portanto, é a Justiça Divina, única capaz de dar ao transgressor a punição proporcional ao dano por ele causado4, sendo que em sua perfeição, nada justificaria dar uma pena finita para um dano infinito, o qual consiste numa agressão grave contra Deus, sem que o pecador tivesse sido alcançado pelo remorso e desejo de ser perdoado. Por isso, disse Cristo que […] OS CONDENADOS IRÃO PARA O CASTIGO ETERNO, E O JUSTOS PARA A VIDA ETERNA.” (São Lucas 13. 28) E ainda: “Todo aquele que amaldiçoar o seu Deus LEVARÁ O SEU PECADO. (Levítico 24, 15); O HOMEM SERÁ PRESO POR SUAS PRÓPRIAS FALTAS, E LIGADO COM AS CADEIAS DE SEU PECADO. (Provérbios 5, 22)
2 – Ora, Deus não mais se lembrará dos pecados que foram perdoados. Todavia, a lembrando dos pecados impenitentes que o ofendem permanecerá, deixando o pecador após a morte, preso ao mal que produziu em vida, como diz a Escritura: “DIANTE DE MIM ESTÁ SEMPRE O MEU PECADO. (Salmo 50,5) “[…] porque desprezou a palavra do Senhor e violou o seu preceito; SERÁ CORTADO E LEVARÁ O PESO DE SUA INIQUIDADE”. (Números 15, 31) “LAVARAM AS SUAS VESTES E AS ALVEJARAM NO SANGUE DO CORDEIRO. (Apocalipse 7, 14)” Mas, SE NÃO LAVAR AS VESTES E O CORPO, LEVARÁ SOBRE SI A SUA INIQUIDADE”. (Levítico 17, 16)”
3 – Não é regra absoluta a extinção da causa coincidir com a extinção do seu efeito. Ora, a causa do nascimento do filho a união carnal entre pai e mãe, e embora a ação que o tenha causado já não exista no tempo, é certo que o efeito, a nova vida, continuará existindo. Ofender a um ser eterno, significa ofendê-lo na eternidade, razão porque, o pecado não perdoado perpetuará sobre o pecador a Justiça Divina, como disse Santo Tomás de Aquino: “A mácula do pecado subsiste na alma, mesmo depois de cessado o ato. E a razão é que a mácula implica a falta de luz, pela privação da luz da razão ou da lei Divina. Portanto, enquanto o homem ficar fora dessa luz, nele subsiste a mácula; mas, quando voltar à luz, o que se dá pela graça, então cessará a mácula. Embora cesse o ato do pecado pelo qual o homem se afastou da luz, nem por isso volta imediatamente ao estado anterior; mas, para tal é necessário um movimento da vontade contrário ao primeiro movimento. Assim como quem se distanciar de outrem, por um movimento, deste não fica próximo imediatamente com o cessar do movimento, mas é preciso que se aproxime, voltando por um movimento contrário. (Suma Teológica. Q 86, DO PECADO E SUA MÁCULA, art. 2º)
4 – Pecar é sempre ofender a Deus, ainda que seja no próximo, pois o homem e a mulher são imagens de Deus, e o pecado contra eles é contra a imagem Divina que neles está impressa, pois disse o salmista: “[…] PEQUEI CONTRA TI, CONTRA TI SOMENTE, (Salmo 51. 4) Assim, os efeitos vinculados ao pecado contra o próximo não deixarão de existir por conta da morte do pecador ou do ofendido, pois se fosse possível extinguir o pecado pelo decurso do tempo, o sacrifício de Cristo e os instrumentos que nos ligam a esse sacrifício, como o arrependimento, a confissão e a penitência seriam inúteis. Nenhum pecado pode ser desfeito, senão por aquele que tem o poder de apagá-lo pelo perdão. Desse modo, toda ofensa grave cometida contra Deus e não perdoada no tempo de vida, tornar-se-á perpétua, e onde não houver ofensa perdoada, haverá justiça não cessada, razão porque, por estar sujeita a justiça eterna de Deus, é que a alma humana tornou-se imortal.
1 BECARRIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas.
2 “Sempre sou eu quem deve apagar tuas faltas, e não mais me lembrar de teus pecados.* (Isaías 43, 25)”
3 Suma Teológica. AQUINO. Tomás. Livro.
4 “A santidade infinita de Deus não deve repelir eternamente um ser que jaez no estado eterno de pecado? Ora, tal é o réprobo no inferno.” […] “Escolheste loucamente a morte e o mal; então estareis permanentemente na morte e no mal que livremente escolheste; […] O MAL E ELE SÃO INSEPARÁVEIS. “Pergunto-vos: não será rigorosamente justo que se aplique um castigo imutável para uma perversidade imutável? No inferno, os condenados já não têm tempo, nem a Graça de se arrepender, e não podem ser perdoados, e por isso, devem necessariamente sofrer um castigo imutável e eterno. (O Inferno? Liv. Catholica Portuense, p. 57, ano 1.905)”