1 – Ensinam alguns que a natureza humana, após o pecado, tornou-se totalmente depravada a ponto de nada de bom dela proceder.[1]
2 – Dizem que no ser humano pecador já não haveria nada que não fosse capacidade para maldade e prazer à transgressão em níveis máximos, sem resquício ou espaço para ética ou retidão.[2]
3 – No mais, ensinam que a vontade humana é depravada desde a raiz,[3] e por isso sempre desejará e procurará o que é mau e destrutivo.
MAS EM CONTRÁRIO:
ACASO JÁ HOUVE ALGUÉM, QUE POR MAIS PERVERSO QUE FOSSE, NÃO DESEJASSSE, NEM BUSCASSE O BEM PARA SI MESMO?
SOLUÇÃO:
O Concílio de Trento,[4] provou que há nesta teoria pontos irremediavelmente desconcertados, e um deles é a existência do AMOR PRÓPRIO, mesmo no pior dos homens.
Num indivíduo totalmente depravado, o mau e a maldade sempre lhe convém e apraz, seja contra os outros ou contra si mesmo.
Fosse completamente depravado, o ser humano jamais poderia querer o que não fosse o mal absoluto, mas o mal absoluto por si só se destrói,[5] e por isso não consegue existir no universo, de onde vem respostas as questões acima:
1 – A natureza de um ser faz dele aquilo que ele é, segundo a finalidade para qual fora criado.
É natural dos peixes a vida aquática e das aves o vôo e a vida nas alturas.
Assim, é natural do ser humano buscar a felicidade, e buscar a felicidade já é um Bem em si mesmo.
Ora, o pecado não tirou dele o desejo de ser feliz, mas ser feliz depende de Deus, pois implica viver eternamente sem dores, perdas ou sofrimentos.
O pecado rompeu no ser humano o equilíbrio e a perfeição entre corpo e alma, e por isso, a sua natureza, sem deixar de desejar os bens espirituais,[6] se inclina e pende mais fortemente para os bens terrenos (dinheiro, paixões, poder etc), os quais podem desviá-lo dos bens espirituais, (santidade, caridade, fé, esperança), vez que para alcançá-los no estado de pecado, se exigirá maior esforço e renúncia.
2 – O mal não tem existência ontológica, ou seja, não pode existir em si, nem vir dele mesmo. Ele nasce da busca por um Bem da maneira errada ou com propósitos dissociados de Deus.
O suicida busca a paz e o sossego; o idolatrada a vida eterna e a transcendência com o sagrado; o devasso almeja prazer e deleite; o ladrão busca conforto nas riquezas; o autoflagelado se penitencia para aliviar a dor do seu remorso; assim como o homicida pretende reparação daquilo que sofrera enxergando-se injustiçado. Ora, a paz, vida eterna, prazer, conforto, alívio, penitência e reparação são bens legítimos, tornando-se mal na corrupção de seu propósito final ou nos meios para obtê-los, quando não os desejamos, nem os procuramos em conformidade com a vontade de Deus.
Mesmo o amor próprio é um Bem, posto que necessário para que o homem não se destrua.
Entretanto, poderá esse amor se perverter, fazendo nascer o mal do egoísmo.
3 – Não é que a vontade não queira o Bem, mas o quer desfigurado, de um modo que não precise de Deus para realizá-lo, e sem Deus o homem não tem mérito para ser bom e realizar coisas boas:[7]
“PORQUE O QUERER O BEM ESTÁ EM MIM MAS NÃO SOU CAPAZ DE EFETUÁ-LO.” (Romanos 7. 18)
PORQUE DELE, E POR ELE SÃO TODAS AS COISAS, GLÓRIA, POIS, A ELE ETERNAMENTE.” (Romanos 11. 36)
A vontade deseja o Bem, mas a razão, obscurecida pela ausência da intimidade com Deus, não consegue distinguir entre o Bem e o mal.[8]
A providência Divina conferiu ao ser humano a vontade de querer o Bem, e isso não lhe restou tirado, nem mesmo após cair em estado de pecado.
[1] Calvino (1.509 a 1.564) e seus seguidores defenderam no passado, e muitos ainda a abraçam nos dias atuais, a chamada teoria da DEPRAVAÇÃO TOTAL OU RADICAL: “[…] o homem, como foi corrompido pela queda, TUDO FAZ POR DEPRAVAÇÃO DE SUA NATUREZA, que não pode ser movido, nem impulsionado, senão para o mal. (Cap. III, p. 63. As Institutas – Livro II) “Agora, porém, quando, em razão da depravação da natureza, TODAS AS FACULDADES estão a tal ponto viciadas e corrompidas que em todas as ações SOBRESSAI A PERPÉTUA DESORDEM E IMODERAÇÃO. ” (As Institutas Livro III cap. III p. 81)
[2] “[…] os homens são tais quais descritos, não apenas pelo vezo do costume depravado, mas ainda pela DEPRAVAÇÃO DE SUA NATUREZA. (Cap. III, p. 59. Obra de Calvino “As Institutas” – Livro II)”
[3] Declaração de fé protestante (Confissão de Westminster) – “Item III. O homem, devido à sua queda num estado de pecado, PERDEU COMPLETAMENTE TODA CAPACIDADE PARA QUERER ALGUM BEM ESPIRITUAL que acompanhe a salvação. É assim que, como homem natural que está INTEIRAMENTE oposto ao bem e morto no pecado, não pode, por sua própria força converter-se ou se preparar para isso.” (1643-1.646).
[4] Cân 815. 5. Se alguém disser que o livre arbítrio do homem, depois do pecado de Adão, se perdeu, ou se extinguiu, ou que é coisa só de título, ou antes, titulo sem realidade, e enfim, uma ficção introduzida na Igreja por Satanás — seja excomungado [cfr. n° 793 e 797] Cân. 816. Se alguém disser que não está no poder do homem tornar os seus caminhos maus, mas que Deus faz tanto as obras más como as boas, não só enquanto Deus as permite, mas [as faz] em sentido próprio e pleno, de sorte que não é menos obra sua a própria traição de Judas do que a vocação de Paulo — seja excomungado. (Cânones sobre Justificação. Anos 1.545-1.563)
[5] Não existe o mal absoluto, nem nos demônios, porque até eles estão sob o domínio soberano de Deus, e só o fato de existir, e estar sob o domínio do Bom Criador já é um bem a qualquer criatura, como diz a Escritura: “Porque Nele temos a vida, o movimento e o ser.” (Atos 17. 28)
[6] “Como já disse, a bondade da vontade depende do fim intencional. Ora, o fim último da vontade é o sumo bem – Deus. Logo, e necessariamente, a bondade da vontade humana há de se ordenar para Deus. Este bem em si, e primeiramente, comparado com a vontade Divina, constitui-lhe o objeto próprio. […] segue-se que, para ser boa, a vontade humana há-se de conformar com a Vontade Divina. ” (SANTO TOMÁS DE AQUINO. Numa Teológica. Q 19, art. 9. Da Bondade do Ato Interior da Vontade)
[7]“Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar. (Filipenses 2, 13)”
[8] “Certos ATOS EXTERIORES podem ser considerados BONS OU MAUS, em duplo sentido. Genericamente e levadas em contas as circunstâncias, diremos que dar esmola é um bem. De outro modo, em ordem ao fim, dar esmola para vanglória reputamos por um mal. ” (Suma Teológica Q 20, art. 2º Da Bondade e da Malícia)