QUANDO CORROMPEMOS O AMOR?

 

1 – O amor é o mais excelente dos dons, pois subsiste em Deus, e Deus é Amor.[1]

E se nele, que é Amor, não há corrupção ou imperfeição, também não haverá imperfeição ou corrupção nos atos de amar.

2 – No mais, amor é o dom espiritual superior, pois entre a esperança, a fé e o amor, prevalece o amor.[2]

Ora, o superior não é regido pelo inferior, razão porque se duvida que em certas condições o amor caia sob o domínio do pecado.

3 – Por fim, o amor é o cumprimento perfeito de toda Lei de Deus,[3] e onde há perfeição não há defeito, razão porque, talvez, no amor, não haja perversão.

MAS EM CONTRÁRIO

 

AH! VAIDADE! VAIDADE DAS VAIDADES! TUDO É VAIDADE.” (Eclesiastes 12.8)

 

SOLUÇÃO:

Todo indivíduo naturalmente se ama, porque fora criado para amar e ser amado.[4]

Há nele uma inegável vocação ao amor.

Todavia, esse amor natural, seqüelado pela corrupção da natureza humana, tende a fazer com que esse indivíduo se volte unicamente a si, e se veja como o que há de mais importante em todo universo existencial.

E ao olhar unicamente para si, seus olhos se fecham a tudo que há fora.

Nisso, o objeto do seu amor só se concentrará nele mesmo.

E concentrando-se nele, excluirá todas as formas possíveis de amor que ainda possam existir, seja nele ou fora dele, no âmbito pessoal ou coletivo.

Assim, o amor é deslocado a um outro nível.

O nível do puro individualismo que é matriz do egoísmo.

Ora, todo individualismo é anticristão, porque equivocadamente faz a pessoa acreditar que é superior à todos:

NÃO ENGRANDEÇA A SI MESMO, NEM SE ENTREGUE À INSOLÊNCIA. NÃO SE JUNTE COM OS GRANDES, MAS CONVERSE COM OS JUSTOS E OS POBRES.” (Didaqué. Instrução dos 12 Apóstolos. cap. 1, 3.9, século I)

E nessa crença de superioridade, há supervalorização de suas qualidades, aliada à negação de seus defeitos, ao mesmo tempo em que haverá necessidade que essas possíveis qualidades sejam reconhecidas e admiradas, pois o amor vaidoso só é feliz na veneração a si próprio:

“MUITOS FORAM ENGANADOS PELAS PRÓPRIAS OPINIÕES. SEU SENTIDO OS RETEVE NA VAIDADE.” (Eclesiástico 3, 26)

O amor, que se perverte no egoísmo, dispensa o todo, para amar somente a parte.

Ama a si mais que a toda criação e ao próximo; ama sua própria salvação sem se preocupar com o bem comum e a salvação alheia; ama exclusivamente a sua imagem; preocupa-se mais com sua fome que com os famintos; e subsiste na vontade de existir em si próprio mais que sua existência em Deus:

“COMO PÔDE DESENVOLVER-SE A IDEIA DE QUE A MENSAGEM DE JESUS É ESTRITAMENTE INDIVIDUALISTA E VISA APENAS O INDIVÍDUO? COMO É QUE SE CHEGOU A INTERPRETAR A SALVAÇÃO DA ALMA COMO FUGA DA RESPONSABILIDADE GERAL E, CONSEQUENTEMENTE, A CONSIDERAR O CRISTIANISMO COMO A BUSCA EGOÍSTA DA SALVAÇÃO QUE SE RECUSA A SERVIR OS OUTROS?” (ENCÍCLICA SPE SALVI. Bento XVI, Papa. Par. 16)

Egoísmo é o desgoverno do amor que já não consegue olhar o entorno, e assim, já não pode amar fora e além de si mesmo.

Ora, numa metáfora a anatomia corpórea, se pode provar que esse amor é corrompido.

A perfeição do amor exige que se ame o universal mais que o singular, pois no universal é que o singular está contido.

Acaso pode a cabeça amar mais a si que o corpo inteiro?

E a mão? Poderá amar mais a si mesma que o braço?

É na universalidade, no conjunto, na coletividade que o amor se aperfeiçoa, tornando-se denso, puro e útil, vindo à crescer.

Tal como a mão é inútil sem braço, e o braço inútil sem todo o corpo, o qual por sua vez é inútil sem a cabeça, assim também é inútil, deformado e imperfeito, todo amor cujos limites se restringem ao egocentrismo:

“O AMOR (PERFEITO) NÃO PODE DE MODO ALGUM EXISTIR SEM RENÚNCIA MESMO DOLOROSA A MIM MESMO, SENÃO, TORNA-SE PURO EGOISMO, ANULANDO-SE A SÍ PRÓPRIO ENQUANTO TAL, POR NÃO SOFRER COM O OUTRO; PELOS OUTROS; POR AMOR DA VERDADE E DA JUSTIÇA, POR NÃO SOFRER POR CAUSA DO AMOR, PARA SE TORNAR UMA PESSOA QUE VERDADEIRAMENTE AMA: ESTES, SÃO OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE, E O SEU ABANDONO DESTRUIRIA AO PRÓPRIO HOMEM.” (ENCÍCLICA SPE SALVI. Bento XVI, Papa. Par. 38 E 39)

Neste compasso se responde aquelas questões:

 

1 – O amor perfeito, chamado caridade,  é a essência de Deus, pois Deus é a personificação do Amor, assim com o Amor é personificação de Deus.

Logo, só em Deus o amor é eterno, puro, ilimitado e capaz de existir por si só, sem medida, contrapartida ou condição.[5]

O ser humano terreno não tem esse amor em sua essência, senão, em fragmentos, e apenas quando livremente adere e participa desse Amor por meio de Deus.

Mas aquele que não se mantém no Amor; o Amor não se mantém nele:

“PERMANECEI EM MIM, E EU PERMANECEREI EM VÓS. NENHUM RAMO PODE PRODUZIR FRUTO POR SI MESMO, SE NÃO ESTIVER LIGADO À VIDEIRA. VÓS, IGUALMENTE, NÃO PODEREIS DAR FRUTOS POR VÓS MSMOS, SE NÃO PERMANECERDES UNIDOS A MIM.” (Jo 15, 4) 

Conclui-se, que se só em Deus, o Amor é perfeito, temos que permanecer nele para que também nossos atos de amor o sejam.

 

2 – A caridade é o que santifica o sentimento de amor humano, se nesse amor há sinceridade.

Enquanto virtude superior, a caridade nos orienta à Deus, pois, sem isso, desaparecerá, se transformando em mero amor natural, o qual se subordina ao domínio dos sentimentos frívolos, vaidades e egoísmo.

Por isso, a caridade em si mesma é perfeita e superior, porque provém do ser Divino, e subsistirá em nós, enquanto nos mantivermos Nele, e se assim permanecermos, o amor que nela está contido não se corromperá.

 

3 – O amor-caridade é perfeito, mas não o é, o ser humano, ora depositário e destinatário dela.

É mais sublime que a fé e a esperança, como testemunhou o Apóstolo, vez que é a virtude do amor prático, pois amar à Deus e ao próximo não pode estar apenas numa ideia ou somente em palavras, mas ser algo factual e concreto, destinado à pessoas concretas.

É a fé tornada visível.

É a esperança que não se derrota pelo desespero, pois, quem ama tem certeza do amor[6], e no amor e pelo amor, tudo espera, suporta, e em tudo agradece.

É no amor que estão contidas, ainda que implicitamente, a fé e a esperança.

Por isso, só no amor, se cumpre todas as leis Divinas, pois o fim de toda lei é Jesus Cristo, que é Deus, e Deus é Amor.[7].

 

 

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[1]  I São João 4. 8

[2] “Agora, pois, permanecem a FÉ, a ESPERANÇA e o AMOR, estes três; porém o maior destes é o amor” (I Coríntios 13.13)

[3] “A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da Lei. (Romanos 13, 10)”

[4] Catecismo Par. 358.

[5]  Santo Agostinho. Homilia sobre o Evangelho de São João 19. 31-37.

[6] Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica. Tratado sobre a Caridade. Anos 1.200.

[7]Porque o fim da Lei é Cristo, para justiça a todo aquele que nele crê.” (Romanos 10. 5)

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