1 – Parece que a graça na qual Deus concede ao pecador a salvação imerecida opõe-se ao mérito, e por consequencia, a justiça, pois tudo o que é justo é merecido, e não gratuito.
2 – Ademais, como ensinou o sábio, justiça é dar a cada um, conforme o mérito e o demérito de suas ações, e sendo o ser humano o transgressor da Lei Divina, justa seria sua condenação, e não o favor Divino no qual é absolvido imerecidamente.[1]
MAS EM CONTRÁRIO, “[…] quem é semelhante a ti, ó Deus, que perdoas a iniquidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer na misericórdia. (Malaquias 7.18) ”
SOLUÇÃO: Um favor pode se opor a justiça quando não exige o mérito daquele que poderia agir meritoriamente por esforço próprio e assim não fez, gerando a injustiça, que é uma imperfeição, um defeito na equidade, pois trata o que buscou o mérito e aquele que o desprezou na mesma proporção.
Na injustiça há violação do bem comum, pois sua tolerância é causa da perpetuação de incontáveis atrocidades. Ora, tirar do trabalhador e dar ao preguiçoso a comida que este poderia ter plantado e colhido, à exemplo daquele, repugna a retidão porque incentiva a ociosidade e a exploração.
Todavia, UM FAVOR NÃO SE OPÕE A JUSTIÇA quando não exige o mérito daquele que não é capaz de agir porque carece de mérito próprio.
Ora, não se pode exigir do recém-nascido ou criança de tenra idade que coma e beba pelo fruto do seu trabalho. E por não ter mérito ou condição natural que possa usar para alcançar a perfeição que lhe permita unir-se a Deus e reparar os pecados que lhe condena a morte eterna, é que não avilta a justiça Divina o favor da salvação que não exige do pecador mérito inato e pessoal, no que então se responde as questões acima.
1 – A misericórdia é uma forma de justiça, mas que não dispensa o mérito, pois o mérito da misericórdia está na virtude em si mesma.
Aquele que é inocente e dá sua vida por todos os pecadores tem o direito de pedir que estes sejam perdoados para que possam viver.
Por isso, a salvação é gratuita, mas não absolutamente, posto que embora gratuita para nós, FOI NOS MÉRITOS DE CRISTO QUE DEUS SE RECONCILIOU COM O MUNDO,[2] o qual, por sua paixão, livrou-nos da pena e do pecado. Ele mereceu por nós a vida restaura que a nossa transgressão deteriorou, sendo que o mérito do ser humano diante de Deus não é próprio, inato, mas PARTICIPADO por Cristo, com Cristo e em Cristo, quando voluntariamente nos associamos a ele num só Corpo, e num só Espírito em sua obra de redenção.
Por isso, em Cristo, a salvação nos é gratuita, contudo sem deixar de ser também meritória, como ensina a Igreja: “Catecismo §2009 A adoção filial que recebemos quando nos tornamos filhos de Deus, torna-nos participantes, por graça, da natureza Divina, e pode conferir-nos, segundo a justiça gratuita de Deus, o verdadeiro mérito. Trata-se de um direito por graça, o pleno direito do Amor que nos toma co-herdeiros de Cristo, e, portanto, dignos de obter a herança prometida da vida eterna.”
2 – A justiça legal recompensa quem merece, e castiga aos que não tem mérito para reparar o dano causado.
Essa justiça é imperfeita, razão porque Cristo condenou a justiça dos jurisperitos, sábios escribas, doutores e fariseus.
A primeira Lei Divina é o Amor, tendo por reflexo a misericórdia para aqueles que decaíram, e que querem se erguer, mas não conseguem por mérito próprio.
Pela gratuidade pura da graça, não nos sobra nada, senão manifestar o desejo de arrependimento.
Predispor o ser humano a desejar Deus, e atraí-los ao desejo por Deus para responderem livremente ao convite da salvação, é um dom gratuito que o próprio Deus nos concede.
Para isso, é que o seu Amor se mostra atraente ao nosso desejo de felicidade.
[1] Domício Ulpiano, ano 150. OS INSTITUTOS DO DIREITO ROMANO.
[2] Que MÉRITO teria alguém se suportasse pacientemente os açoites por ter praticado o mal? Ao contrário, se é por ter feito o bem que sois maltratados, e se o suportardes pacientemente, isto é coisa agradável aos olhos de Deus. (I São Pedro 2, 20)” “Seu ZELO LHE FOI IMPUTADO COMO MÉRITO, de geração em geração, para sempre. (Salmos 105, 31) “É toda Trindade que nos confere essa PARTICIPAÇÃO da vida Divina, POR CAUSA DOS MÉRITOS e satisfações de Jesus Cristo. Pelos seus Méritos, Cristo reconquistou o nosso direito a Glória, para nos santificarmos e merecermos o céu. JESUS É A CAUSA MERITÓRIA DA NOSSA SALVAÇÃO.” (Compêndio de Teologia Mística e Ascética, Adolph Tanquerey, Cap. II – Da parte de Deus na vida cristã. p. 61 e 81) A infusão nas virtudes superiores do Cordeiro, nos traz a Comunhão com seu sacrifício, no qual nos tornamos seus Consortes, em seu Corpo Místico, “a fim de tornar por este meio, PARTICIPANTES DA NATUREZA DIVINA, subtraindo-vos à corrupção que a concupiscência gerou no mundo.” (II Pe 1.4)”