1 – Parece que a felicidade nesta vida é algo impossível, pois se assim não fosse, a humanidade já a teria alcançado desde os tempos mais remotos.
2 – No mais, se ser feliz é ter que nos agrada e convém, segundo nossa própria natureza, sabemos que a natureza humana nunca está satisfeita porque está sempre buscando a felicidade naquilo que lhe supre e completa
3 – Além disso, supõe-se ainda que a Justiça Divina nos privou felicidade, pois somos sabedores das dores, amarguras e desilusões que suportamos cotidianamente1.
4 – Por fim, sabe-se que dor e felicidade estão, respectivamente, na proporção de dano e ganho. Logo, ser feliz implica alcançar um ganho maior que as perdas. Todavia, nenhum ganho nos satisfaz plenamente porque estamos sempre a procura de algo para ser feliz.
MAS EM CONTRÁRIO, […] a alegria plena só é possível pela posse do Bem que amamos, desde que o Bem que amamos nos sejam eternamente conservados. ” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica Q 28, art. 1° – Da Alegria)
SOLUÇÃO: Feliz é todo ser cujos bens necessários à sua felicidade podem ser buscados e encontramos nele mesmo. Por isso, a felicidade plena é a virtude própria dos seres perfeitos, pois perfeito é aquele que tudo tem em si mesmo, e nada lhe falta, não havendo de buscar em elementos externos aquilo que seria necessário a lhe completar. Nesse sentido só Deus é feliz, pois só ele é perfeito e só a ele nada falta. Todavia, se o ser perfeito não partilhar sua perfeição ele não é feliz, pois seria egoísta, e todo egoísta é imperfeito, já que o egoísmo é a falta de caridade gerada da incompletude e da imperfeição do amor. Em Deus não há acidentes, e assim os seus atributos são o seu próprio ser, do que não se diz que Deus é ou está feliz, mas que é a própria Felicidade, como não se diz que ele ama ou está amando, mas que ele é o Amor personificado, pois como diz de si mesmo: “Eu sou o que sou.2” Deus é feliz quando partilha a felicidade, e ele partilha a felicidade quando partilha a si próprio no Filho e no Espírito Santo por meio da Santíssima Trindade, como também, de modo distinto, partilha a si próprio no ser humano quando insere neste a sua imagem, a qual refletia nitidamente e tornava perfeita sua criatura, até o momento do pecado adâmico. Assim, enquanto no Éden o viam face a face, ao homem e a mulher nada lhes faltou. Por isso, ensinava Heródoto, o Filósofo, que: “[…] é impossível ao ser humano reunir todas as condições necessárias à felicidade, da mesma maneira que ninguém possui todos os bens que necessita. Se conta com uns, estará privado de outros. Assim acontece ao homem, pois não há um quem se baste em si mesmo.”3 Todavia, a felicidade na vida temporal não está no acúmulo de bens aprazíveis e finitos, mas nos bens necessários e eternos, razão porque, ainda que não seja plena, a felicidade no tempo da vida finita nos é possível quando alcançamos os bens necessários para viver eternamente, no que se responde as questões acima.
1 – O ser humano foi criado para ser feliz junto com Deus, o seu Criador4, e o impulso em buscar essa felicidade, é portanto, algo da natureza humana. Mas é certo que a felicidade plena que se busca nessa vida só pode ser alcançada na vida vindoura, quando formos perfeitos e nada nos falte. Por isso, somos feliz nesta vida se acumulamos no tempo os bens necessários a nossa perfeição na eternidade. Sem esses bens eternos, a felicidade será finita e incompleta já que os bens naturais como juventude, a saúde, a beleza e a vida, não podemos conservar para sempre, nem por mérito ou força própria. A disposição de querer o que não se pode ter ou aquilo que não se pode ter eternamente, é a fonte de todas as angústias e lamentações.
2 – De certo que tudo que convém e apraz a natureza de um ser, em tese, o torna feliz, assim como feliz é o pássaro que é livre para voar e o sábio que é livre para pensar. Todavia, a natureza deformada e imperfeita, vê a felicidade naquilo que é imperfeito e deformado, como os suínos que veem alegria em chafurdar na sujeira e o ladrão que vê alegria em se locupletar do trabalho honesto daquele a quem lesa. A felicidade regrediu, e se apequenou à medida da natureza regredida e apequenada do ser, razão pela qual, o conceito de que ser feliz é realizar o que convém e apraz a natureza, não é absoluta, e quase sempre nos causa danos invés de alegria, e por isso, a felicidade buscada desse modo não pode ser encontrada, porque nem aquilo que é da nossa natureza atual nos satisfaz, e, portanto, não nos dá os bens necessários para sermos felizes.
3 – Tristezas e felicidades terrenas são instrumentos que Deus usa para nos mover a buscar a felicidade celestial. Para uns, pode ser uma vida de tristeza; para outros, de felicidade, ou como para a maioria, uma vida temperada entre uma coisa e outra, pois só Deus, como médico das nossas almas, sabe o remédio espiritual que cada um de nós precisa. Por isso, ensina a Santa Igreja, que feliz de verdade é todo aquele que não se condena, seja na tristeza ou na alegria. Pelos bens da natureza, não alcançamos, senão, certos momentos de euforia e satisfação, transitórios e momentâneos, os quais não são plenas, e nem irreversíveis, sujeitando-se a finitude por quaisquer circunstâncias. Não podemos ser felizes e conservar os bens que nos farão felizes, como o amor e a vida eterna, a não ser unidos a própria Felicidade em Pessoa que é Deus, razão porque, quem vive para a eternidade será feliz na eternidade, assim como quem vive apenas para o tempo finito só será feliz num tempo finito, e em poucos momentos efêmeros.
4 – Se a felicidade no céu é o acesso aos bens eternos como amor, amizade e a vida eterna, a felicidade na terra é a renúncia aos bens inúteis e passageiros que nos impedem de trabalhar para atingir os bens mais valiosos que são eternos. Quando desapegamos, conseguimos obter a alegria da paz, quando não mais nos preocuparmos em conservar aquilo que só podemos ter por certo tempo, como riqueza, beleza, ascensão social e juventude, aí conseguimos a alegria necessária para buscar e usufruir de outros bens mais valiosos. O ganancioso não tem paz porque passa a vida tentando não perder a riqueza na qual ele acredita encontra a felicidade; assim como perde a paz da juventude, o que tenta conservar a beleza juvenil a qual ele sabe não vai conseguir manter. Um é escravo da riqueza; o outro da imagem, e não se pode ser feliz sendo escravo. A alegria da paz é a recompensa pelo bom combate, como disse o apóstolo,5 e o bom combate é conseguir ainda que minimamente renunciar a nós mesmo, em nossos interesses efêmeros e insignificantes, e assim como Deus fez, partilhar com os que amamos aquilo que nos é mais valioso.