Existe na química, a regra basilar de que os seres ou objetos distintos não podem se unir em perfeição, por pura ausência de afinidades entre os seus elementos.
Mas do mesmo modo como há distinção natural que impede a união entre água e óleo, essa mesma distinção existiria em relação a Deus e sua criatura.
Ora, os essencialmente diferentes jamais poderiam se unir, senão mediante uma imperfeição incorrigível (como a água e o óleo), sendo certo que entre Deus que é puro Espírito Divino eterno e incriado, e o ser humano que é pura matéria criada e finita, há um abismo intransponível diante das leis naturais.
Se o corpóreo é dispare, e se diferencia com o incorpóreo, também o instinto corporal diverge naturalmente das virtudes espirituais, não sendo ilógico por conta disso, afirmar certo constrangimento no fato de Deus, o qual existira desde sempre (ab eterno) sem necessitar de matéria, corpo ou composição, num certo período da história e do tempo ter tomado um corpo humano, e convivido, ainda que por curto tempo, dentro das limitações sensíveis e fisiológicas que decorrem da natureza desse corpo assumido.1
Sendo honroso ao menor tornar-se maior, não seria desonroso ao infinitamente Maior volver-se ao menor?
De certo que numa ótica puramente humana e egoística, tal afirmação estaria correta.
No entanto, estamos nos referindo Aquele que é infinitamente Maior, principalmente na virtude do Amor.
Deus se fez homem pelo FILHO para promover o encontro definitivo entre a DIVINDADE e a humanidade, separadas em razão a vontade livre desta última, na qual gerou-se o pecado.
O pecado contra Deus, que nos atingiu na carne, desordenou nosso intelecto, sensibilidade e todos os nossos instintos, daquilo que deveria ser o objetivo de qualquer indivíduo, qual seja, a busca por Deus, lançando-o de CORPO E ALMA2 ao jugo do Tribunal Celestial, cujo veredicto não poderia ser outro, senão a morte eterna, conforme restou ensinado:
“Eu sei que em mim, isto é, NA MINHA CARNE, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo.” (Romanos 7, 18)
“Assim, pois, de um lado, pelo meu espírito, sou submisso à lei de Deus; de outro lado, POR MINHA CARNE, sou escravo da lei do pecado.” (Romanos 7, 26)
“O que era impossível à lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus o fez. Enviando, por causa do pecado, o seu próprio Filho NUMA CARNE SEMELHANTE À DO PECADO, CONDENOU O PECADO NA CARNE,” (Romanos 8, 3)
Por onde nasce a violação, há de se extrair a Justiça, do mesmo modo como do veneno haverá de se tirar o soro antiofídico que nos salva. Ora, se pela CARNE HUMANA adveio pecado e transgressão, pela MESMA CARNE deveria advir a oferta para redenção e obediência.
Pela Encarnação do Verbo é que se estabeleceu a comunicação eterna e indissolúvel entre criatura e Criador, para que da imperfeição, após a queda, alcançasse o ser humano a comunhão MAIS QUE PERFEITA, num estado elevado de dignidade, o qual garantirá que jamais voltaremos a pecar e degenerar. Sobre isso, ensinou o Papa Leão I:
“Reconhece, ó Cristo, a tua Dignidade, e feito consorte da natureza humana, para que não possamos querer uma volta degenerada a antiga vileza.3” (ano 461+)
Somos salvos na humanidade do Verbo de Deus Encarnado: “Ele vos reconciliou pela MORTE DE SEU CORPO HUMANO, para que vos possais apresentar santos, imaculados, irrepreensíveis aos olhos do Pai. (Colossenses 1, 22)
Em sua obra Adversus Heareses, ensinou Santo Irineu de Lyon, nos anos 120 à 220:
“Este é o motivo que o Verbo de Deus se fez Homem; e o Filho de Deus, se fez filho de homem, para que o homem, unindo-se ao Verbo de Deus, recebendo a adoção, se tornasse Filho de Deus. NUNCA PODERÍAMOS OBTER A INCORRUPÇÃO E A IMORTALIDADE, A NÃO SER NOS UNINDO A IMORTALIDADE E A INCORRUPÇÃO. […] Como poderíamos realizar essa união, sem que antes, a Incorrupção e a Imortalidade se tornassem o que somos, a fim de que O CORRUPTÍVEL FOSSE ABSORVIDO PELA INCORRUPÇÃO, E O MORTAL PELA IMORTALIDADE, e desse modo pudéssemos receber a adoção de filhos.” (Livro III, p. 317) “Ele lhe dará o Trono de Davi de forma tal que este Filho de Deus se tornaria homem, para que por sua vez, o homem se tornasse Filho de Deus.” (p. 269) “Através da Encarnação do Verbo, DEUS RECAPITULA (reconstrói, reescreve) toda a descendência de Adão. A Igreja porém, espalhada por toda terra, iniciada pelos Apóstolos, perseverá firmemente numa única e idêntica fé em Deus e no seu Filho.” (p. 292)
Por meio da descendência comum a todos os homens vinda de Adão, Deus, pela Santíssima Encarnação do Filho, passou a fazer parte da humanidade, ligado em parentesco biológico aos da linhagem ancestral de Davi e Abraão, dos quais proveio sua filiação ancestral, razão pela qual, não só deles, mas também dos parentes desses dois antigos patriarcas, a Jesus é atribuída a condição de “FILHO,” no sentido de descendente biológico, considerando sua natureza humana:
“Ora, o mesmo Jesus, ao começar o seu ministério, tinha cerca de trinta anos, sendo filho (como se julgava) de José, filho de Heli, filho de Matã, filho de Levi, filho de Melqui, filho de Janai, filho de José, filho de Matatias, filho de Amós, filho de Naum, filho de Esli, filho de Nagai, filho de Máate, filho de Matatias, filho de Semei, filho de José, filho de Jodá, filho de Joanã, filho de Resá, filho de Zorobabel, filho de Salatiel, filho de Neri, filho de Melqui, filho de Adi, filho de Cosã, filho de Elmadã, filho de Er, filho de Josué, filho de Eliézer, filho de Jorim, filho de Matã, filho de Levi, filho de Simeão, filho de Judá, filho de José, filho de Jonã, filho de Eliaquim, filho de Meleá, filho de Mená, filho de Matatá, filho de Natã, filho de Davi, filho de Jessé, filho de Obede, filho de Boaz, filho de Salá, filho de Naassom, filho de Aminadabe, filho de Admim, filho de Arni, filho de Esrom, filho de Farés, filho de Judá, filho de Jacó, filho de Isaque, filho de Abraão, filho de Terá, filho de Nacor, filho de Serugue, filho de Ragaú, filho de Faleque, filho de Éber, filho de Salá, filho de Cainã, filho de Arfaxade, filho de Sem, filho de Noé, filho de Lameque, filho de Matusalém, filho de Enoque, filho de Jarete, filho de Maleleel, filho de Cainã, filho de Enos, filho de Sete, filho de Adão, filho de Deus.» (São Lucas 3. 23-38)
Lembra-te de JESUS CRISTO, saído da ESTIRPE DE DAVI, […] (II Timóteo 2. 8)[…] veio socorro, não dos anjos, E SIM DA RAÇA DE ABRAÃO. (Hebreus 2, 16)
E assim, a infinita misericórdia e bondade de Deus ecoou na humanidade Encarnada do Filho Divino.
Está na essência de Deus a Caridade, e Caridade implica permitir que a sua criação participe de sua imortalidade e sua perfeição, razão porque, a Encarnação do Verbo se ordenou à remissão dos pecados da nossa carne, para nos livrar de corpo e alma (vez que somos indivisíveis) dos efeitos da cólera Divina.
Deus assumiu nossa velha humanidade adâmica, frágil, vulnerável e mortificada, para matá-la de uma vez por todas, e depois ofertá-la como oferenda PURÍSSIMA e SANTÍSSIMA ao próprio Deus, como satisfação de Justiça por nossos pecados, em troca de uma humanidade nova e ressurreta.
Liberados do débito, podemos agora, numa nova humanidade, reflorescer, renascer, ressurgir de maneira eterna e perfeita através da ressurreição no Corpo Santíssimo do Cristo sacrificado.
Ensinou Santo Atanásio, dentro os anos 296 à 363 aproximadamente:
“O Verbo de Deus, incorpóreo, incorruptível e imaterial […] Por amor de nós, veio a este mundo, compadecido da fraqueza do gênero humano, comovido pelo nosso estado de corrupção, não suportando ver-nos dominados pela morte, tomou um corpo semelhante ao nosso. Assim fez para que não perecesse o que fora criado, nem se tornasse inútil a obra de seu Pai e sua ao criar o homem. Ele não quis apenas habitar num corpo ou somente tornar-se visível. Se quisesse apenas tornar-se visível, teria certamente assumido um corpo mais excelente. CONSTRUIU NO SEIO DA VIRGEM UM TEMPLO PARA SI, isto é, um corpo; habitando nele, fê-lo instrumento mediante o qual se daria a conhecer. Assim, pois, assumindo um corpo semelhante ao nosso, e porque toda a humanidade estava sujeita à corrupção da morte, ele, no seu imenso amor por nós, ofereceu-o ao Pai, aceitando morrer por todos os homens. Deste modo, a lei da morte, promulgada contra a humanidade inteira, ficou anulada para aqueles que morrem em comunhão com ele. RECONDUZIU O GÊNERO HUMANO DA CORRUPÇÃO PARA A INCORRUPTIBILIDADE, DA MORTE PARA A VIDA, FAZENDO DESAPARECER A MORTE – como a palha é consumida pelo fogo – por meio do corpo que assumira e pelo poder da ressurreição. Assumiu, portanto, um corpo mortal, para que esse corpo, unido ao Verbo que está acima de tudo, pudesse morrer por todos. E porque era habitação do Verbo, o corpo assumido, pelo poder da ressurreição, tornou-se remédio de imortalidade para toda a humanidade. Entregando à morte o corpo que tinha assumido, ele o ofereceu como sacrifício e vítima puríssima, libertando assim da morte todos os seus semelhantes; pois o ofereceu em sacrifício por todos. O Verbo de Deus, que é superior a todas as coisas, entregando e oferecendo em sacrifício o seu corpo, templo e instrumento da divindade, PAGOU COM A SUA MORTE A DÍVIDA QUE TODOS TÍNHAMOS CONTRAÍDO. Deste modo, o Filho incorruptível de Deus, tornando-se solidário com todos os homens por um corpo semelhante ao nosso, tornou a todos partícipes da sua imortalidade, a título de justiça com a promessa da imortalidade. Por conseguinte, a corrupção da morte já não tem poder algum sobre os homens, por causa do Verbo que por meio do seu corpo habita neles.” (Dos Sermões de Santo Atanásio, in Oratio de Incarnatione Verbi, 8.9 p. 25, trechos 110 à111)
O amor e a misericórdia de Deus não se hospedam nas leis naturais, por ser-lhes infinitamente superior, e ao se unir ao ser humano por absoluta compaixão e Caridade, a Divindade nada diminuiu, nem se indignou, assim também, como o fato de ter assumido de modo unitivo e irreversível nossa natureza ainda que acidentalmente, nada lhe acrescentou, pois Cristo é o Alfa e o Ômega, aquele que Era, que É, e Será para sempre. .
1 – “Sendo Ele de condição Divina, não prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo; ASSEMELHANDO-SE AO HOMEM; (Filipenses 2, 6, 7 e 8)” “[…] *POR POUCO TEMPO* o colocaste inferior aos anjos; de glória e de honra o coroaste; (Hebreus 2,17)”
2 – O ser humano é indivisivelmente corpo e alma, e o que faz o corpo, reflete na alma: “SE HÁ UM CORPO ANIMAL, também há um ESPIRITUAL. (I Cor 15,44) — “Mas não é o espiritual que vem primeiro, e sim o animal; o espiritual vem depois. (I Cor 15, 46)”
3 – Encíclica Papal Mystici Corporis.
Novamente me disse: Está pronto! Eu sou o Alfa e o Ômega, o Começo e o Fim. A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber da fonte da água viva. (AP 21,6)”