1 — Parece que a profecia é algo comum e o dom de profetizar tende a ser hábito, pois está escrito1 ‘(…) profetiza, ó filho do Homem!
2 — Ademais, é virtude do Espírito Santo, sem a qual parece não haver salvação, pois aquele que não profetiza, não vive com Deus, e, portanto, não se salva.
MAS EM CONTRÁRIO:
SURGIRÃO MUITOS FALSOS PROFETAS, E ENGANARÃO A MUITOS; (SÃO MATEUS 24, 11)
E ainda:
OS PROFETAS PROFETIZAM FALSAMENTE, E OS SACERDOTES DOMINAM PELAS MÃOS DELES; (JEREMIAS 5, 31)
SOLUÇÃO:
Profeta é o que prediz de antemão coisas longínquas; e antecipa a verdade Divina futura e transcendente.2
A profecia está em toda revelação de Deus, pois é o anúncio dos novos tempos.
É conhecimento que excede a época, aos interesses individuais e a capacidade humana.3
Tem por objeto a ciência das coisas Divinas.
Toda sapiência em relação as coisas terrenas, pessoais, temporária e naturais, ainda que futuras, é coisa para os adivinhos, cientistas ou videntes.4
O primeiro pela aposta.5
O segundo pelo conhecimento científico6.
E, por fim, o terceiro, pela percepção:
“Por sua natureza, até certos animais podem prever certos futuros, como as formigas percebem as chuvas, onde começam antes de chover a enceleirar suas covas. Nas suas causas, o futuro pode ser previsto por certo conhecimento natural. A alma humana percebe certos elementos sutis da realidade. Por isso, certas pessoas conseguem perceber naturalmente certos acontecimentos futuros.” (AQUINO. Santo Tomás. Q 171 art. 2° Livro IIa e IIIae – Suma Teológica)
Estes, comumente, são confundidos ou se passam por profetas, se valendo das coincidências, experiências ou de um conhecimento natural mais elaborado.
O pressentimento é algo natural do ser humano, que se dá numa leitura sensível, consciente ou inconsciente de certos sinais externados na realidade.
Os anjos possuem conhecimento sobre as coisas criadas muito superior a ciência humana, porque foram testemunhas da criação.
E por esse conhecimento superior, podem tentar predizer ou apostar em certos eventos futuros, com base numa leitura especulativa mais elaborada das realidades atuais.
Conhecendo profundamente a condição e a natureza humana, assim como o que é comum no pensamento das pessoas, é que os anjos decaídos, muitas vezes, transmitem aos falsos profetas certos conhecimentos futuros travestidos de ‘profecias’, mas que não passam de expectativas futuras mais sofisticadas.
Todavia, embora seja superior ao conhecimento humano, o conhecimento angelical é também falho porque se limita às possibilidades e não a certeza.
Possibilidades, que provém da leitura atenta dos acontecimentos da atualidade nos quais buscam antever os futuros possíveis.
Podem também predizer o que acontecerá por obra deles, como brigas ou acidentes que planejam causar:
‘(…) o falso profeta, que realizara prodígios sob o seu controle,’ (Apocalipse 19, 20)
Mas as verdadeiras profecias vem de Deus e são infalíveis, não necessitando investigar causas para antever seus efeitos.
Ditam acontecimentos futuros que transcenderão nossa realidade, agregando algo na relação da humanidade com Deus, não dependendo de prévia análise de acontecimentos externos, senão, exclusivamente da revelação Divina.
Para saber ser verdadeira uma profecia, existem certos critérios:
a. Cristo e a salvação humana são o centro de toda profecia, sendo falsa qualquer manifestação profética que coloque o profeta ou o destinatário da profecia como centro dela;
b. Não pode ser algo que só diga respeito aos interesses puramente pessoais ou limitado aos círculos das interpretações particulares:
‘Saiba primeiramente isto: — nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação.” (2 São Pedro 1, 2)
c. Informa elementos concretos, como a época que ocorrerá; o lugar; o propósito e os detalhes do que acontecerá;
d. Não vem para causar ódio, divisão ou abrir feridas que nos desumanizam;
e. Não invocam o passado, porque invocar conhecimento pretérito, o qual ninguém ou poucos poderiam saber é um truque usado pelos demônios para demonstrar “poder”, e, assim, legitimar a falsa profecia.
O objeto da profecia é o bem comum e a salvação universal.
Nunca interesse particular ou exclusivamente privado.
São manifestações futuras para contribuir na construção das virtudes cristãs em nossas vidas.
Surgem para nos conservar unidos na caridade, esperança e fé, pois, se não houvessem profecias, não se teria a confirmação de ser Cristo, o Messias, e, então, toda Igreja se dissiparia7, no que se responde as questões:
1 — Profecia não é algo comum, não podendo ser praxe como mania ou cacoete, pois sendo extraordinária, não nos pertence, e, tal como os milagres, não tem que ocorrer a todo instante por vaidade do profeta ou só para provar a nossa fé e intimidade com Deus:
‘O intelecto do profeta não tem a luz profética como forma permanente, pois do do contrário, o profeta teria sempre a faculdade de profetizar, o que evidentemente ele não tem.’ (Aquino. Santo Tomás, SUMA TEOLÓGICA. Livro IIa IIae Questão 171, art. 2°)
Assim é, para que não seja usada a bel prazer ou que dela se faça mercadoria.
A profecia só existe no profeta quando Deus quer, se quiser e no propósito da salvação dos indivíduos.
O dom profético não é dado indistintamente, e nem está sob o domínio da vontade ou capacidade humana:
“(…) a um é dada a operação de maravilhas; e a outro a profecia;” (1 Coríntios 12:10)
Resta claro que Deus não ordenou que se saísse profetizando a todo momento.
O termo “(…) filho do Homem!” é referência a Cristo, Filho de Deus, que ao encarnar se torna também Filho da Humanidade, Filho do Homem8:
“Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido.” (Mateus 18,11)
Cristo não veio apenas cumprir as profecias, mas também para profetizar, sendo o Profeta dos profetas.
Não somos oniscientes, pois onisciência é atributo exclusivo de Deus.
Por isso, buscar desenfreadamente a condição de ‘profeta’ pode ser traço de ‘autolatria’, no desejo de ter presciência Divina para se antecipar aos acontecimentos na tentativa de interferir neles.
A necessidade de saber o futuro é deficiência da fé que não confia totalmente em Deus para se colocar em suas mãos.
Há também aqueles que pela paixão religiosa ou desmedida devoção, inocentemente se julgam profetas.9
Isso é mau para o que acredita ser profeta, tanto quanto aos que creem em suas ‘profecias’.
Profetas estão a serviço das profecias; e não o contrário:
“Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo.” (2 São Pedro 1:21)
“Até quando sucederá isso no coração dos profetas que só profetizam do engano do seu coração?” (Jeremias 23, 26)
Profetizar exige elevação extraordinária da alma, a qual nem todos alcançarão, pois, na profecia, o profeta interage e participa, mesmo que momentaneamente, da onisciência Divina.
2 — A caridade é o dom do Amor que nos infunde o Santo Espírito e nos capacita cumprir a Lei Maior que é amar a Deus sobre todas as coisas, e ao nosso semelhante como a nós mesmos:
“Distinguis em tudo: na fé; na eloquência; no conhecimento; no zelo de todo gênero e no afeto para conosco. Cuidai de ser notáveis também na obra de caridade. (II Coríntios 8, 7)
Ora, é mais próxima de Deus, a caridade, do que a fé, a esperança e os dons espirituais, pois Deus é amor10 e a caridade também:
“Quem possuir bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como pode estar nele o amor de Deus?” (I São João 3, 17)
“Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.” (I São João 4, 7)
Não existe outro meio para a realização perfeita do Amor Divino, senão a caridade:
“(…) o fim de todos os atos humanos e afetos é o Amor de Deus, que nos leva, por excelência, a alcançar o fim último, (AQUINO. Santo Tomás. Suma Teológica. Q 27. Art. 6° Livro IIa IIae)
Logo, dos dons espirituais, somente o amor é necessário a salvação, pois até mesmo a fé, se não subsistir na caridade, de nada servirá:
“Que Cristo habite pela fé em vossos corações, arraigados e consolidados na caridade,” (Efésios 3, 17)
“Estar circuncidado ou incircunciso de nada vale em Cristo Jesus, mas sim a fé que opera pela caridade.” (Gálatas 5, 6)
Portanto, profetizar não é indispensável à salvação, e nem mesmo ao culto a Deus, que se legitima no amor sacrificial de Cristo na cruz:
“Ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria;” ( I Coríntios 13, 2)
“O amor jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará.” (I Coríntios 13, 8)
“Por ora subsistem a fé, a esperança e o amor – os três. Porém, o maior deles é o amor.” (I Coríntios 13, 13)
Por isso, a caridade deve ser buscada com empenho, ao passo que a profecia deva ser somente uma aspiração, um desejo não necessariamente indispensável:
“Empenhai-vos em procurar a caridade. Aspirai igualmente aos dons espirituais, mas sobretudo ao de profecia.” (I Coríntios 14, 1)
1 Ezequiel 11.4.
2 Catecismo § 555 P.83.6 Profetas e anúncio do Messias.
3 Aquino. SUMA TEOLÓGICA. Livro IIa IIae Questão 171, art. 2°.
4 SORTE: Dentro de uma margem de probabilidade, certas circunstâncias podem ou não ocorrer em nossas vidas, trazendo coisas boas ou más. Tais circunstâncias não estão sob o controle da ação humana, sendo obra do acaso, de coincidir estar no tempo certo, no lugar certo e com as pessoas certas. Mas o ser humano pode, por sua inteligência natural ou percepção, ver se essas circunstâncias estão próximas de acontecer e apostar na sua ocorrência.
5 Sorte é aleatória, incontrolável e presente em toda criação, e muitas vezes, dela até os Apóstolos lançaram mão, como quando escolheram o substituto de Judas Iscariotes: “E os lançaram em sortes, vindo a sorte recair sobre Matias, sendo-lhe, então, votado lugar com os onze apóstolos.” (Atos 1:26). Todavia, “A sorte é lançada no colo, mas a decisão vem do Senhor.” (Provérbios 16. 33)
6 CONHECIMENTO CIENTÍFICO: É o saber disciplinado nos fatos concretos existente em nossa realidade, assim classificados em criticismo, racionalismo e dogmatismo que se alcança por meio da crítica atenta – CRITICISMO; e pela razão natural – RACIONALISMO, que se estrutura no conhecimento experimental que se dá pela relação entre causa certa e efeito muito provável – DOGMATISMO.
7 “De sorte que a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis.” (1 Coríntios 14,22)
8 “Desde agora o Filho do Homem se assentará à direita do poder de Deus. (Lucas 22,69); ‘Seja a tua mão sobre o homem da tua destra, sobre o Filho do Homem, que fortificaste para ti.” (Salmos 80,17)
9 ‘Como crianças recém-nascidas, desejai com ardor o leite espiritual que vos fará crescer para a salvação, (…) Porque esta é a vontade de Deus que, praticando o bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos.’ (2 Pedro 2, 2 e 15)
10 Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” (I São João 4, 8)