A FÉ SE CONSERVA NA PERSEVERANÇA?

1 — Parece que não nos cabe conservar a fé, pois uma vez adquirida, não haveria risco de abandoná-la1.

2 — No mais, supõem alguns que perseveramos até o fim, porque Deus permanece em nós, e não porque permanecemos em Deus, vez que não temos capacidade, nem vontade de nos conservarmos no amor e na verdade2.

3 — Além disso, outros muitos creem que não são os perseverantes que conservam a fé e se salvam, mas os que já estão salvos, e que, por isso, perseveram, e assim conservam a fé3.

4 — Por fim, acredita-se que a exemplo da fé, a perseverança não poderia ser perdida, pois aqueles que não a tiveram até o fim, não a tiveram em nenhum momento, como parece ter ensinado Santo Agostinho4.

MAS EM CONTRÁRIO:

O SENHOR ESTÁ CONVOSCO, ENQUANTO VÓS ESTAIS COM ELE; SE O BUSCARES, ELE SE DEIXARÁ ACHAR; PORÉM SE O DEIXARDES, ELE VOS DEIXARÁ.” (II Crônicas 15, 2);  PROCURAI-O NA SIMPLICIDADE DE CORAÇÃO, PORQUE ELE É ENCONTRADO PELOS QUE NÃO O TENTAM, E SE REVELA AOS QUE NÃO LHE RECUSAM CONFIANÇA. (Sabedoria 1.1,2); “POR ISSO, ”[…] CONSERVEMOS FIRMES A NOSSA FÉ.” (Hebreus 4,14)

SOLUÇÃO:

Para a salvação, é preciso preservar a fé nas verdades reveladas por Cristo, e ensinadas na sua Igreja.

Logo, a perseverança é o necessário para que persistamos com firmeza de vontade, não apenas crendo, mas praticando essas verdades com constância e sem lapsos, contra todos os obstáculos que delas tendem a nos afastar.

É a virtude que nos permite viver habitualmente, segundo os fins para os quais Deus nos destinou:

“PARA O CÉU DEVEM SER DIRIGIDOS NOSSOS DESEJOS E NOSSOS CORAÇÕES.” (Compêndio de Teologia Mística e Ascética, Tanquerey, p. 355. 5ª Ed. Francesa, e 3ª Ed. Portuguesa, ano 1940)”

Logo, a conservação da fé, esperança e caridade depende da perseverança:

POR ELE SEREIS SALVOS, SE O CONSERVARDES COMO VO-LO PREGUEI. DE OUTRA FORMA, EM VÃO TERÍEIS ABRAÇADO A FÉ.” (I Coríntios 15. 2)

Na intensidade da perseverança que a fé, a esperança e a caridade experimentam a perfeição e o crescimento5 na prática necessária dos atos da bondade, no que então se responde as questões acima:

1 — Em sua jornada terrena, o ser humano não é agente estático em suas opiniões, pensamentos, hábitos e atos6.

Antes, é movido por  influências externas ao seu redor, experiências que podem lhe colocar com portador de expectativas, traumas, paixões, ilusões ou desilusões, alterando sua razão e inflamando sua sensibilidade, tornando-o volúvel.

O ato humano é sempre resultado passivo do conjunto de experiências pretéritas e vivência preexistentes, segundo as quais, o agente opta ser ou não ser, fazer ou não fazer e agir ou não agir.

Tal vulnerabilidade, reflete na fé, que pode se corromper, definhar, ser negada, abandonada ou se desvirtuar.

Noutro sentido, quando livremente reconhecemos e aceitamos os auxílios divinos para resistirmos às inclinações e circunstâncias que nos afastam da fé, não regredimos à infidelidade ou apostasia; muito pelo contrário, nos tornamos mais capazes de resisti-las.

Assim, “CONSERVA O QUE TENS.” (Apocalipse 3. 11), porque se as tentações e obstáculos serão contínuos até o término da nossa jornada, também a fé há de ser cuidada até o fim. 

E só poderemos nos opor a esses obstáculos que nos afastam de Deus, na voluntária conservação da fé recebida:

CONSERVANDO A FÉ E A BOA CONSCIÊNCIA QUE ALGUNS DESPREZAM, E, POR ISSO, FIZERAM NAUFRÁGIO NA FÉ.” (I Timóteo 1, 19) 

2 — Certamente que sem os auxílios de Deus nada podemos fazer.

Todavia, ele concede esses auxílios (sacramentos, penitências, orações, caridade, dons, virtudes etc.), para que possamos correspondê-los e nos tornarmos partícipes da redenção.

Se o ser humano desejou livremente pecar e se afastar da verdade, o plano de remissão seria imperfeito se dispensasse a vontade livre do pecador em desejar o retorno a bondade e a verdade:

PORQUE NÓS TEMOS NOS TORNADO PARTÍCIPES DE CRISTO, SE, DE FATO, GUARDARMOS FIRMES, ATÉ O FIM, A CONFIANÇA QUE DESDE O PRINCÍPIO TIVEMOS.” (Hebreus 3, 14)

Por isso, é necessário que também permaneçamos em Deus para que Deus continue fazendo em nós sua morada:

PERMANECEI EM MIM, E EU PERMANECEREI EM VÓS. (São João 15, 4)

”SÊ FIEL ATÉ A MORTE, E DAR-TE-EI A COROA DA VIDA.” (Apocalipse 3, 10)

3 — Salvação ou condenação são juízos divinos sobre nossas vidas que não existem, senão, após a morte.7 

A perseverança é a virtude que nos conserva na fé, esperança e caridade até o fim de nossas vidas, para que não corramos o risco de sermos excluído da vida eterna.

As sagradas letras dizem:

AQUELE QUE PERSEVERAR ATÉ O FIM SERÁ SALVO” (São Mateus 24, 13) 

Diversamente, por óbvio, não se pode entender que está se dizendo, que: “aquele que está salvo perseverará até o fim.”

Não se pode assim, se fazer uma interpretação contrária ao sentido da própria letra.

Na parábola das dez virgens, Jesus usa a metáfora da lâmpada para se referir a fé e do óleo para se referir a perseverança como combustível dessa lâmpada:

Então o Reino dos céus será semelhante a dez virgens que saíram com suas lâmpadas ao encontro do esposo. Cinco dentre elas eram tolas e cinco, prudentes. Tomando suas lâmpadas, as tolas não levaram óleo consigo. As prudentes, todavia, levaram de reserva vasos de óleo junto com as lâmpadas. Tardando o esposo, cochilaram todas e adormeceram. No meio da noite, porém, ouviu-se um clamor: Eis o esposo, ide-lhe ao encontro. E as virgens levantaram-se todas e prepararam suas lâmpadas. As tolas disseram às prudentes: Dai-nos de vosso óleo, porque nossas lâmpadas se estão apagando. As prudentes responderam: Não temos o suficiente para nós e para vós; é preferível irdes aos vendedores, a fim de o comprardes para vós. Ora, enquanto foram comprar, veio o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para a sala das bodas e foi fechada a porta. (São Mateus 25, 1-10)

Por isso:

[…] ENQUANTO EXISTE A PROMESSA DE ENTRAR EM SEU DESCANSO, TENHAMOS CUIDADO DE QUE NENHUM DE NÓS CORRA O RISCO DE SER EXCLUÍDO.” (Hebreus 4,1)

4 — Podemos ter  fé, mas ela pode não ser eficaz quando a negamos por nossos atos e nossa história de vida.

Podemos ter a caridade, mas esta pode não ser eficaz quando a praticamos por interesses egoísticos ou pura vaidade.

Neste sentido, ensinou Santo Tomás:

“[…] UM CONSTRUTOR PODE COMEÇAR A CONSTRUIR SEM ACABAR A CASA. POR ISSO, DEVEMOS CONCLUIR, QUE AS VEZES O NOME PERSEVERANÇA É EMPREGADO QUANDO SE TEM O HÁBITO DA PERSEVERANÇA, SE ESCOLHE PERSEVERAR E COMEÇA A AGIR, MAS NÃO ACABA, POR NÃO PERSISTIR ATÉ O FIM.8

Assim também podemos ter a perseverança em certos momentos da vida, mas essa não ser eficaz porque não buscamos os auxílios divinos necessários a conservá-la até o fim.


1 Conforme a Convenção de Westminster, documento da fé reformada protestante (1.643-1.649): “Depois de convertido, a fé se mantém na consciência do crente, a certeza do que Deus realizou, realiza e realizará por ele; e que a paternidade Divina jamais lhe será retirada.(Cap. XVIII -Síntese 2)

2 Segundo a crença reformada de orientação Calvinista, a obra da salvação é imposta ao homem por Deus, e o salvo, não possuindo livre arbítrio, não participa; não coopera; não corresponde e nem reage minimamente a graça que Deus lança sobre ele. O ser humano tem sua vontade absolutamente dirigida por Deus (Eleição Incondicional), e a graça é recebida sem que ele exerça a vontade de querê-la. (Graça Irresistível). Deus se impõe sobre o homem, e permanece nele ainda que este não expresse seu desejo de permanecer em Deus: “Quanto à perseverança, não deveria restar mais dúvida de que ela deve ser tida por dom gratuito de Deus, não fora o fato de haver prevalecido o perniciosíssimo erro de que esta é dispensada segundo o mérito dos homens, conforme cada um não se mostre ingrato para com a primeira graça. Ora, pois, uma vez que esse erro nasceu daí, a saber, que os homens pensavam estar em nosso arbítrio rejeitar ou aceitar a graça de Deus oferecida, refugada esta opinião, também aquele por si só se esboroa. Contudo, aqui se erra de duas maneiras, a saber: além de ensinarem que nossa gratidão é para com a primeira graça, e seu legítimo uso é remunerado por dons subsequentes, ainda acrescentam que a graça já não opera em nós sozinha, ao contrário, ela é apenas cooperante. (As Institutas. vol. 2 cap. 11 p. 68) Todavia, muito diferente disso foram os ensinos transmitidos pelos Apóstolos a Igreja de Cristo: https://igrejamilitante.com.br/index.php/na-obra-da-conversao-participam-a-divindade-e-a-humanidade/

3 Declaração da Fé de Spurgeon, ano 1689, Cap. 17.

4 Patrística vol.12. A Graça I. Santo Agostinho.

5“ [….] PELA FÉ EM CRISTO […] SEJA QUAL FOR O GRAU A QUE CHEGAMOS, O QUE IMPORTA É PROSSEGUIR DECIDIDAMENTE. (Filipenses 3, 16)

6 A imutabilidade é condição do ser que é o ato primeiro de todas as coisas, e, portanto, move a tudo, mas não é movido, nem influenciado por nada, condição essa que só cabe a Deus, o único absolutamente imutável. (Suma Teológica. Livro 1a Q 9, art. 1)

7 O homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo, (Hebreus 9, 27)

Só é possível constar a salvação após o juízo final, ou, excepcionalmente, um por revelação especial do próprio Deus, nunca, porém, nos é dado presumir a nós mesmo salvos, posto que isso constitui perigoso engano e grave pecado, conforme síntese catequética no link: https://igrejamilitante.com.br/index.php/podemos-afirmar-que-estamos-salvos/

8 Suma Teológica. Q 137. art. 1. Livro Iia II ae parte.

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