A PREDESTINAÇÃO ANULA O LIVRE ARBÍTRIO?

1 – Parece que Deus, sendo soberano sobre tudo e todos, podendo livremente agir, pode escolher a quem dará ou não a salvação, bem como, impor a salvação até mesmo contra a vontade daquele a quem elege salvar.[1]

2 – Soma-se, que soberania divina e liberdade humana são incompatíveis, pois a liberdade sempre penderia para o mal, e na colisão entre estas, prevalece a virtude superior que é a soberania divina, razão porque, na salvação, supõem alguns, que não haja livre arbítrio

3 –  No mais, se Deus elegeu Jacó e desprezou Esaú antes de algum mal ou bem que um ou outro viesse a praticar[2], significa, talvez, que sua justiça desconsidere a prática do bem ou mal que cada um individualmente realize.

4 –  Por fim, parece que a eleição à salvação é de um grupo seleto que Deus escolhe[3], concluindo que a salvação não está disponível a todos que a desejam, mas aqueles que Deus deseja salvar.

MAS EM CONTRÁRIO:

PONHO DIANTE DE TI A VIDA E A MORTE, A BÊNÇÃO E A MALDIÇÃO. ESCOLHE A VIDA PARA QUE VIVAS COM A TUA POSTERIDADE,” (Deuteronômio 30, 19)” 

SOLUÇÃO:

Deus, desde toda eternidade, conhece e elege infalivelmente alguns de seus santos para a glorificação eterna.

Mas isso, absolutamente, não significa que violente moral e psicologicamente a vontade dos eleitos, nem que a eleição destes lhes retire o livre arbítrio.

Também não significa que Deus em seu infinito amor não conceda graça suficiente aos não predestinados, para que possam, de igual modo, receber eficazmente a salvação, caso queiram.

DEUS NÃO É O AUTOR DA MORTE, A PERDIÇÃO DOS VIVOS NÃO LHE DÁ ALEGRIA ALGUMA.”  (Sabedoria 1, 13)”

A TUA PERDIÇÃO, Ó ISRAEL, VEM DE TI.” (Oseias 13, 9) ”

Deus ama todos os seres humanos por querê-los usufruindo da vida eterna:

DEUS QUER QUE TODOS OS HOMEMS SEJAM SALVOS.” (I Timóteo II, 4)

Nos eleitos, Deus atua para que a vontade livre destes, esteja de modo alinhado e disposta à recebê-lo no sacrifício de Cristo. E quando assim atua, ele age dentro da vontade livre, não fora ou contra, não havendo anulação da voluntariedade.

Todo predestinado é levado por Deus a querê-lo com insuperável ardor.

E é justamente na vontade livre que Deus infalivelmente atrai, e se torna desejável aos seus eleitos.

Para tanto, ELE CRIA AO REDOR DA VIVÊNCIA HUMANA OS FATOS, ACONTECIMENTOS E EXPERIÊNCIAS QUE, COMO AGENTES EXTERNOS, DESENCADEARÃO EM TORNO DOS ELEITOS AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE OS ATRAIRÃO INEVITAVELMENTE AO QUERER, AO BUSCAR E ALCANÇAR A SALVAÇÃO.

Sendo causa de tudo, provém de Deus a causa principal e as cooperantes que infalivelmente concorrerão para salvação dos predestinados:

ALIÁS, SABEMOS QUE TODAS AS COISAS CONCORREM PARA O BEM DEQUELES QUE AMAM A DEUS, DAQUELES QUE SÃO OS ELEITOS, SEGUNDO OS SEUS DESIGNOS. OS QUE ELE DISTINGUIU DE ANTEMÃO, TAMBÉM OS PREDESTINOU PARA SEREM CONFORME À IMAGEM DE SEU FILHO, A FIM DE QUE ESTEJA SEJA O PRIMOGÊNITO ENTRE UMA MULTIDÃO DE IRMÃOS. E AOS QUE PREDESTINOU, TAMBÉM OS CHAMOU; E AOS QUE CHAMOU, TAMBÉM OS JUSTIFICOU; E AOS QUE JUSTIFICOU, TAMBÉM OS GLORIFICOU.” (Romanos 8. 28: 30)

Há, portanto, causalidade mútua entre Deus e o predestinado.

Para melhor entender a concorrência das causas, usaremos a metáfora do barco: “Duas pessoas empurram uma embarcação ao mar, sendo uma delas, um indivíduo adulto e outra uma criança. Embora as duas ações resultem num mesmo movimento, aquele que emprega a forma menor, no caso, a criança, está na dependência do adulto que emprega a força maior. Este, por sua vez, poderia empurrar o barco sozinho, mas para tornar digno o mais fraco, consente que ele participe do nobilíssimo movimento que lança a nau ao mar.”

Nisso então, se responde as questões:

1 –  A salvação é prêmio, e não castigo, e prêmios, ao contrário das penas, não são impostos contra a vontade do agente, mas aceitos ou renunciados, conforme a livre vontade.

Corromperia o prêmio coagir alguém que o receba, pois as coisas boas são absolutamente desejáveis por si só. 

Ora, Deus não corrompe a salvação, impondo-a por meio da violência contra a consciência, a razão e a vontade de quem quer que seja.

A vontade humana é tão livre que pode se voltar ou se revoltar contra o amor.

É a liberdade, que tem o poder de nos fechar ou abrir eternamente para Deus:

E, SE VOS PARECE MAL AOS VOSSOS OLHOS SERVIR AO SENHOR, ESCOLHEI HOJE A QUEM SIRVAIS; SEJAM OS DEUSES A QUEM SERVIRAM VOSSOS PAIS, QUE ESTAVAM DO OUTRO LADO DO RIO OU OS DEUSES DOS AMORREUS EM CUJA TERRA HABITAIS. MAS EU E MINHA CASA SERVIREMOS AO SENHOR.” (Josué 24. 15:22)

ESCOLHI O CAMINHO DA VERDADE; OS TEUS JUÍZOS PUS DIANTE DE MIM.” (Salmo 119,30)

2 – De fato, a salvação é ato da soberania divina, como tudo que ele realiza.

Mas o Criador, também em sua soberania, deixou claro não desejaria nos salvar de qualquer jeito, de modo aleatório e sem qualquer CRITÉRIO JUSTO E RACIONAL, pois atingir a vida eterna, implica rejeitar livremente tudo o que Deus reprova, tanto quanto livremente aderir, ser fiel e servil à divina vontade.

Por conta dessa liberdade de escolha, muitos se salvarão, como também se perderão:

[…] OS DESEJOS INSENTADOS E NOCIVOS PRECIPIRAM O HOMEM NO ABISMO DA RUÍNA E DA PERDIÇÃO.” (I Timóteo 6,9) 

E criar critérios para si próprio, como Deus faz, e não somente para aos seres inferiores, é o maior de todos os atos de uma vontade absolutamente soberania.

3 – “ANTES” que Jacó tivesse feito o bem e Esaú o mal[4], Deus amou um e repudiou ao outro.

Isso, absolutamente, não significa que o bem e o mal neles não se realizariam.

A onisciência divina, antevendo no futuro a escolha livre pelo bem e pelo mal, em cada um deles, o fez amar antecipadamente Jacó e desprezar Esaú. Amar e desprezar, não imotivadamente, antes, considerando suas ações futuras, vez que Deus não ama ou rejeita por puro capricho.

AMEI A JACÓ, PORÉM, ABORRECI USAÚ. ” (Romanos 9, 13)

POIS, AQUELES QUE DE ANTEMÃO CONHECEU, ELE TAMBÉM OS PRESDESTINOU.” (Romanos 8. 28, 30)

E AOS QUE PREDESTINOU, TAMBÉM OS CHAMOU, E AOS QUE CHAMOU, TAMBÉM JUSTIFICOU; E AOS QUE JUSTIFICOU, TAMBÉM GLORIFICOU.” (Romanos 8, 30)

Não quer dizer que seja a conduta futura do eleito a causa primeira que fará com que Deus o predestine à salvação.

Ora, sendo Deus causa primeira de tudo, não pode ser movido a agir pela ação humana atual ou futura.

O bem futuro a ser realizado pelo eleito não tem como causa primeira, a predestinação, mas a graça que tudo opera, e a onisciência divina, a que tudo antevê, e que anteviu o bem futuro que Deus realizaria através da cooperação daquele que são os seus eleitos.

O bem que Jacó faria livremente no porvir não existiria se, antes, a graça de Deus não desse a ele a possibilidade de assim.

Igualmente, se Deus, por sua onipotência, não elegesse e predestinasse a Virgem Maria para ser mãe do salvador, ela livremente não anunciaria o seu sim a Deus junto ao anjo emissário, e  assim, os bens que Deus produziu nela e com a concorrência dela não existiriam.

Ensina Santo Tomas:

[…] NINGUÉM OUVE ANTES TÃO INSANO PARA DIZER QUE OS MÉRITOS, QUANTO AO ATO DO PREDESTINADO FOSSE A CAUSA DA DIVINA PREDESTINAÇÃO. […] OS MÉRITOS, COMO EFEITO DA PREDESTINAÇÃO, É QUE SÃO RAZÃO DELA. ORA, É CLARO QUE O RESULTADO DA GRAÇA, SENDO O PRÓPRIO EFEITO DA PREDESTINAÇÃO, NÃO LHE PODE SERVIR DE CAUSA. ” (Suma Teológica. Q 34, art. 5. Da Predestinação. Livro)

O Concílio de Orange, no ano 529, já havia proclamado:

Cânon – 12: DEUS NOS AMA, NÃO EM RAZÃO DO QUE SOMOS POR MÉRITOS NOSSOS E PRÓPRIOS, MAS EM RAZÃO DO QUE PODERMOS SER ATRAVÉS DOS SEUS DONS.

4 A eleição de uns não significa a perdição dos demais, porque Deus não nega seu amor, e quer que ninguém se perca.

E esse não querer é atuante, ele age para que ninguém se perca efetivamente, mas que todos se salvem, não de qualquer jeito, mas segundo os critérios de justiça e misericórdia por ele estabelecidos.

Todavia, a vontade divina que todos sejam salvos, respeita a liberdade humana de querer ou não a salvação, afinal, ele quer uma relação de reciprocidade, e não se impõe a ninguém que de coração não o deseje, como está escrito:

“PERMANECEI EM MIM, QUE EU PERMANECEREI EM VÓS. (São João 15, 4)

SE ALGUÉM NÃO PERMANECER EM MIM, SERÁ COMO O RAMO QUE É JOGADO FORA E VEM A SECAR. ENTÃO, ESSES RAMOS SÃO JUNTADOS E LANÇADOS AO FOGO PARA SEREM QUEIMADOS.” (São João 15.6)

EXISTE LIVRE ARBÍTRIO?

 


[1] SPENCER. Duane. OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO. Ponto II, p. 1.

[2] “ANTES QUE FOSSEM NASCIDOS, E ANTES QUE TIVESSEM FEITO BEM OU MAL ALGUM, PARA QUE FOSSE CONFIRMADA A LIBERDADE DE ESCOLHA DE DEUS.” (Romanos 9, 11)

[3] “[…] a totalidade do efeito deve-se tanto a Deus, como às causas segundas; isto é, não se deve a Deus nem às causas segundas como causas totais, mas como causas parciais que ao mesmo tempo exigem o concurso e o influxo da outra causa do mesmo modo que, quando dois homens empurram uma embarcação. Este movimento na sua totalidade procede de cada um deles, mas não como causas totais do movimento porque qualquer deles produz ao mesmo tempo com o outro o todo, e cada uma das partes do mesmo movimento. (Luís de Molina, Concórdia, d. 26, 15, p. 170) ”

[4] “ANTES QUE FOSSEM NASCIDOS, E ANTES QUE TIVESSEM FEITO BEM OU MAL ALGUM, PARA QUE FOSSE CONFIRMADA A LIBERDADE DE ESCOLHA DE DEUS.” (Romanos 9, 11)

 

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