EXISTE CARIDADE SEM FÉ?

 

1 — Supõem alguns, que exista caridade sem fé, vez que podemos realizar na irreligiosidade coisas boas e úteis em favor do próximo, ao passo que muitos que parecem ter recebido a fé são incapazes de praticar o bem em proveito alheio.

2 — No mais, parece ainda que a bondade vem da razão natural, no que sua realização não depende da fé, apenas da consciência moral.[1]

3 — Além disso, queremos o bem a nós mesmos, do que se concluiu que se nos é possível obrar em nosso proveito naturalmente, naturalmente também nos será possível obrar em proveito alheio.

MAS EM CONTRÁRIO:

TODA BOA DÁVIDA E TODO DOM PERFEITO VÊM DE CIMA: DESCEM DO PAI DAS LUZES, NO QUAL NÃO HÁ MUDANÇA, NEM MESMO APARÊNCIA DE INSTABILIDADE.” (São Tiago 1, 17)”

SOLUÇÃO:

A consecução da caridade perfeita (ágape), que nos move a amar aos que se declaram e agem como nossos inimigos, tem como fonte a vida e prática do Cristo, que, como manifestação carnal da Divindade, ilumina a humanidade para o caminho do reino de Deus.

Há aqueles que pelas práticas espirituais, procuraram seguir Cristo, e conseguiram imitá-lo o mais próximo possível. 

E assim, por meio disso, alcançaram a plenitude da caridade.

E na vivência desta plena caridade, abençoaram seus assassinos; perdoaram seus algozes; bendisseram seus adversários, amaram quem os odiava e desprezava, e, por fim, se deram a morrer para salvar a vida dos que lhes eram desconhecidos.

Essa é a fé dos mártires, que lhes uniu as virtudes Divinas e lhes moveram muito além da capacidade humana para prática do amor e justiça:

“É uma força extraordinária, que impele as pessoas a se comprometerem com coragem e generosidade no campo da justiça e da paz. Força que tem sua origem em Deus que é amor eterno e verdade absoluta.”[2]

Estar unido à Deus é o que sustenta em nós o Amor que transcende a razão natural, a lógica e ao afeto carnal.

Esse amor é o dom maior, porque Deus é Amor.[3]

Caridade é o amor dado que não espera, nem cobra retorno.

É o amor multiplicador, pois quanto mais partilha, mais aumenta.

É o amor redentor, porque sara as feridas causadas pelo egoísmo.

Transcende ao tempo repousando na eternidade, em Deus, porque Deus é Amor, e se derrama em nossos corações, por meio do seu Santo Espirito.[4]

Supera a justiça, porque dá ao outro aquilo que não merece.

Supera o amor próprio, pois subsiste na renúncia, matriz de toda valorosa partilha.

Quanto mais diminuímos o ego e veneração à nossa própria imagem, mais nos tornando aptos a amar a imagem de Deus no outro.

Todo sacrifício de amor proveitoso ao próximo, chama-se caridade.

A caridade tem fonte no Amor Divino, o qual não encontramos no “homem natural”, senão, quando participa da Divindade pela comunhão plena ou mesmo indireta com Jesus[5], de onde se responde as perguntas:

1 — A irreligiosidade extrema sempre nos aponta para soluções racionais.

Foge à razão natural, todavia, bendizer a quem nos odeia ou nos fere; assim como partilhar com quem não merece; e também, amar ao próximo como a nós mesmos.

Caridade é dom de amor que excede ao racional, afetuoso e natural.

Coloca em cheque o valor excessivo que damos a nós mesmos, em total desprezo a vida e a condição da vida alheia.

Só o poder da fé, liberta o amor de suas limitações naturais.

Há os que abandonaram a religião institucional, mas mantiveram a fé.

E também os que jamais pertenceram a qualquer religião, além dos pertencentes a outras religiões de matrizes não cristãs, que por ação excepcional de Deus, alcançaram a fé, que os tornou mesmo sem saber, imitadores de Cristo.

A FÉ UNIVERSAL (katholikos), que nos convida e move à CARIDADE, está além dos ritos e templos.[6]

Inegavelmente, existe um traço de CATOLICIDADE naqueles cuja fé lhes impulsiona à perfeita caridade, mesmo que deles não se digam católicos:[8]

Quem ama na caridade, verdadeiramente conhece a Deus na prática, embora possa não conhecê-lo, intelectualmente.

Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. (I Jo4. 7, 8)

Ensina o CONCÍLIO VATICANO II:

A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santoExorta, por isso, os seus filhos a que, com prudência, pelo diálogo e colaboração com os de outras religiões, e dando testemunho da vida e fé cristã, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais, morais e os valores sócio culturais que entre eles se encontram.”[7]

Conforme colhemos das sagradas letras:

“Os pagãos, que não têm a Lei, fazendo naturalmente as coisas que são da Lei, embora não tenham a lei, do seu modo, à lei são submissos; eles mostram que o objeto da lei está gravado nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua consciên­cia, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam mutuamente.” (Romanos 2.)

Por fim, há os que praticam todos os ritos e liturgias da nossa religião, mas ainda não acolheram a fé católica, e, portanto, não conseguem colocar em prática o objeto dessa fé que é o Amor-Caridade:

PORQUE DIANTE DE DEUS NÃO SÃO JUSTOS OS QUE OUVEM A LEI, MAS SERÃO TIDOS POR JUSTOS OS QUE PRATICAM A LEI.” (Romanos 2.)

Conforme ensinou São Francisco de Assis, em sua exortação fraterna a um dos Freis:

TODAS AS CRIATURAS DEBAIXO DO CÉU, A SEU MODO, CONHECEM, SERVEM E OBEDECEM AO CRIADOR MELHOR QUE TU. DIANTE DELES, DEVERIAS SE ENVERGONHAR DO QUE PREGAS E NÃO PRATICAS; ENQUANTO ELES, EM SILÊNCIO, PRATICAM TUDO AQUILO NO QUAL ESTAIS PARA COM DEUS EM DÉBITO.  ENTÃO QUERES SE VANGLORIAR DE QUE?[8]

2 — Pela razão natural e inteligência emocional, não podemos amar quem nos queira mal, e, sim, concluir que devamos exterminar tudo que possa nos prejudicar ou nos seja contrário. Também pela educação intelectual, somos capazes de arquitetar sabiamente a forma de subjugar aqueles que nos odeiam.

Logo, o argumento da caridade pela razão natural e educação intelectual não se sustenta. 

Amar o inimigo é extremamente necessário para que tanto ele, como nós, possamos aprender o amor, preparando nossas almas para que, através do perdão, nos reencontremos com Deus.

Ora, esse amor aos que nos são contrários não é natural, mas sobrenatural.

3 — Ter amor próprio é comum aos que tem caridade e aos que dela são desprovidos, porque há um princípio imutável da Lei Natural, no qual nenhum ser deseja sua própria destruição.

Mas aquele que tem a caridade perfeita, ama a si porque acima de tudo ama a Deus, e se reconhece como imagem Dele, desejando se conservar nos bens espirituais trazidos nesta imagem.

E assim, ama ao próximo porque a mesma imagem de Deus que vê em si, também a reconhece no outro.

Caridade plena é dom de Deus que só se produz na verdadeira fé, a qual, ainda que não se faça conhecer intelectualmente, se realiza na prática da vida de onde provém o amor em proveito alheio, porque todo amor próprio sem caridade é egoísmo, princípio de todo desamor a Deus e ao próximo:[9]

CATECISMO Canon 11. §25 Para concluir este Prólogo, é oportuno lembrar este princípio pastoral enunciado pelo Catecismo Romano: Toda a finalidade da doutrina e do ensinamento deve ser posta no amor que não acaba. Com efeito, pode-se facilmente expor o que é preciso crer, esperar ou fazer; mas sobretudo é preciso fazer sempre com que apareça o Amor de Nosso Senhor, para que cada um compreenda que cada ato de virtude perfeitamente cristão não tem outra origem senão o Amor, e outro fim senão o Amor.

Se, como prova de amor, Deus, assumiu nossa humanidade, e nela se doou, também aquele que ama a imagem de Deus em si e no próximo, deve ver na partilha a única forma de praticar o mais sublime amor.


[1] Conforme o pensamento da Filosofia Iluminista de Voltaire, Diderot, Kant e Jean Jacques Rosseau, nos séculos 18 e 19.

[2]  Encíclica CARITAS IN VERITATS. Papa Bento XVI. Par. 1.

[3] 1 São João 4,8.

[4] Romanos 5,5.

[5] “SE UM MEMBRO SOFRE, TODOS OS MEMBROS PADECEM com ele; SE UM MEMBRO É TRATADO COM CARINHO, TODOS OS OUTROS SE CONGRATULAM por ele. (I Coríntios 12. 26) “A COMUNHÃO PLENA É INSTITUÍDA NOS SINAIS SOBRENATURAIS DO SEU CORPO ENTRE NÓS, PELA CARNE E SANGUE CONSAGRADOS NO PÃO E VINHO QUE RECEBEMOS NA EUCARISTIA: […] uma vez que há UM ÚNICO PÃO, nós, embora muitos, FORMAMOS UM SÓ CORPO PORQUE todos nós COMUNGAMOS DO MESMO PÃO. (I Coríntios 10. 17)

[6] A IGREJA CATÓLICA, DEPOSITÁRIA DOS TESOUROS DA FÉ E DAS VERDADES DE CRISTO, E QUE COM ZELO OS CONSERVA E GUARDA, É O MEIO ORDINÁRIO PARA ENCONTRA CRISTO E A SALVAÇÃO. Isso não significa que, extraordinariamente, Cristo não possa levar a Catolicidade dessa fé que frutifica na CARIDADE PERFEITA que a une à Ele, aqueles que dela não se fizeram inimigos e aos que, SEM CULPA, estejam privados de conhecê-la ou acessá-la. (CATECISMO I.6.6 DA IGNORANCIA INVOLUNTÁRIA §1860)

CATECISMO. Cânon. 38:

‘§817 “Na realidade, nesta una e única Igreja de Deus, já desde os primórdios surgiram divisões que o Apóstolo censura com vigor como condenáveis. Dissensões mais amplas nasceram nos séculos posteriores. Comunidades não pequenas separaram-se da plena comunhão com a Igreja Católica, por vezes, não sem culpa de homens de ambas as partes. As rupturas que ferem a unidade do Corpo de Cristo não acontecem sem os pecados dos homens.”.

Mas…

‘§818 “Os que hoje em dia nascem em comunidades que surgiram de tais rupturas e estão imbuídos da fé em Cristo não podem ser arguidos de pecado de separação; e a Igreja Católica os abraça com fraterna reverência e amor, e, JUSTIFICADOS PELA FÉ RECEBIDA NO BATISMO, FAZEM PARTE DO CORPO DE CRISTO. POR ISSO, E COM RAZÃO, SÃO HONRADOS COM O NOME DE CRISTÃOS, E, MERECIDAMENTE RECONHECIDOS PELOS FILHOS DA IGREJA CATÓLICA, COMO SEUS IRMÃOS NO SENHOR.”.

[7] Por causa dessa fé, que nos move ao verdadeiro AMOR-CARIDADE, pelo qual nos unimos à Cristo nascido, crucificado e ressuscitado, os que serão salvos, o serão na FÉ CATÓLICA, ainda que nunca tenham entrado em um dos nossos templos ou participado de uma Missa: ‘ IV Concílio de Latrão (1215), Canon I: “…Há apenas uma Igreja universal dos fiéis, fora da qual absolutamente ninguém é salvo.”

[8] CONCÍLIO VATICANO II. DECLARAÇÃO NOSTRA AETAT. Par. 2

[9]  ESCRITOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Admoestações. Capítulo 25.

[10] CATECISMO. 6.1 § 1931.

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