PODEMOS INTERCEDER UNS PELOS OUTROS?

1 – Parece que um milagre alcançado pela intercessão de alguém, ofuscaria a glória Divina, criando idolatria, como pensam muitos.

2 – Além disso, se só Cristo é o mediador[1] que nos concede o que pedimos, parece inútil invocar auxílios e bendições aos que estão na terra ou no céu.

3 – No mais, se um sacerdote orar, rezar e suplicar em nosso favor, ele rivalizará com Cristo na condição de intercessor.

MAS EM CONTRÁRIO:

Moisés intercedeu em favor do povo:

“(…) vieram a Moisés e disseram-lhe: Pecamos, murmurando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor que afaste de nós essas serpentes. MOISÉS INTERCEDEU PELO POVO,” (Números 21, 7)”

Paulo pediu a Igreja que intercede por ele:

E ORAI POR MIM, para que me seja dado anunciar corajosamente os mistérios do evangelho.” (Efésios 6. 17 à 20)

E o centurião romano que estava junto de Cristo, pediu-lhe a cura para seu empregado:

“Entrando Jesus em Cafarnaum, dirigiu-se a ele um centurião, pedindo-lhe ajuda: “Senhor, meu servo está em casa, paralítico, em terrível sofrimento. não mereço receber-te debaixo do meu teto. Mas dize apenas uma palavra, e o meu servo será curado.” E Jesus lhe disse: “Eu irei curá-lo. Vá! Como você creu, assim lhe acontecerá! ” Na mesma hora o seu servo foi curado.” (S. Mateus 8.5-13)

SOLUÇÃO:

Nenhum indivíduo se mantém inerte dentro da realidade.

É próprio do ser racional interagir com a realidade ao seu redor, e que de certa maneira lhe atinge, para assim, transformá-la.

O ser humano é intercessor por natureza.

A intercessão é consequência de sua sociabilidade:

“(…) estranho seria fazer o homem solitário, feliz, pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro, sob a condição de viver nele sozinho, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade.” (ÉTICA PARA NICÔMANO. Aristóteles, EDIÇÃO. 1973, IX, 9, 1169 b 18/20)

Mas essa característica não o coloca em oposição à Cristo em sua intercessão superior[2], chamada mediação.

Pelo contrário, Jesus utiliza dela para que cada indivíduo seja para os outros um condutor das graças, do amor e das benção celestiais.

O egoísmo mata a fé.

Cristianismo verdadeiro é essencialmente comunitário.

Os preceitos da fé na vida social visam nos ordenar em direção à Deus.

Estar em comunhão amorosa com Deus é não nos fecharmos, mas nos abrirmos aos outros, e, principalmente, aqueles que necessitam de nosso auxílio para que possam participar das bênçãos Divinas:[3]

“Não oro somente por estes discípulos, mas igualmente por aqueles que vierem a crer em mim, POR INTERMÉDIO DA MENSAGEM DELES, para que todos sejam um no Pai, como Tu PAI, estás em mim e Eu em Ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste.  EU LHES TENHO TRANSFERIDO A GLÓRIA QUE ME TENS DADO, para que sejam um, como nós o somos.” (São João 17. 20-22)

Daí a figura da videira, como representação da comunhão entre os membros do Corpo de Cristo.

“Eu sou a videira; vós, os ramos.” (São João 15, 5)”

As divisões e individualidades decompõem o todo.

Tudo que se decompõe, se conflita e se contradiz até enfraquecer.

E, na fraqueza, se corrompe em suas subdivisões, até não mais existir, tornando-se fragmento do que antes era o todo.[4]

Por isso, o Corpo de Cristo que é a Igreja, é uno, e não podem estar nele as divisões.

A vida societária é necessidade humana.

Deus trabalha em nossas necessidades para através delas aumentar no mundo a fé, a esperança, e, principalmente, o amor fraternal, chamado caridade.

Incompletos em nossa individualidade, nos completamos na unidade comunitária do Corpo de Cristo:

O que me falta das tribulações de Cristo, COMPLETO NA MINHA CARNE, POR SEU CORPO QUE É A IGREJA. (Colossenses 1. 24)

Na sociabilidade somos uns pelos outros, assim como Cristo foi, é, e sempre será tudo para todos, em todos e por todos.

Se participamos da realidade do seu sacrifício na cruz, participados do mesmo Corpo crucificado do qual nos tornamos membros e que tem Cristo como Cabeça:[5]

SOIS O CORPO DE CRISTO, E CADA UM DE SUA PARTE É UM DOS SEUS MEMBROS.” (I Coríntios 12, 27)”

Se participamos do mesmo amor e vida, participamos da mesma intercessão:

“(…) nós, embora muitos, FORMAMOS UM SÓ CORPO EM CRISTO, E CADA UM DE NÓS É MEMBRO UM DO OUTRO.” (Romanos 4, 5)”

Por isso, Deus não retirou do ser humano a virtude de interceder em favor próprio ou de terceiros.

 Antes, elevou à perfeição na caridade:

TODO O CORPO COORDENADO E UNIDO POR CONEXÕES que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria, efetua O CRESCIMENTO espiritual, VISANDO A PLENA EDIFICAÇÃO DA FÉ NA CARIDADE.” (Efésio 4. 16)

Por isso, Deus dotou suas criaturas racionais, anjos e homens, com o dom de interceder pelos necessitados:

Se perto dele se encontrar um anjo, UM INTERCESSOR ENTRE MIL, para ensinar-lhe o que deve fazer,” (Jó 33, 23)

Nisso se responde as questões:

1 – Não se pode confundir a causa com o instrumento, como não se confunde o Mediador com seus intercessores.

Aqueles nos quais Cristo atua, e que receberam dele virtudes especiais para auxiliar a conversão dos povos; a cura dos doentes; a ajuda aos necessitados e a oração pelos incrédulos, não poderiam assim agir se a imagem de Deus, neles, não recebesse a luz de Cristo para reluzir no mundo:

“Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (São João 15,5)

A mediação une o céu e a terra; a humanidade e a Divindade, e também a humanidade em si mesma, numa união fraterna entre indivíduos unidos em Cristo.

A intercessão é um instrumento no qual a mediação de Cristo se manifesta aos povos e se realiza em nós, unindo-nos, como membros ativos do Corpo do qual ele é Cabeça

Nos milagres, na caridade, nas graças e bênçãos, a causa é sempre Cristo, e cada um de nós apenas seu instrumento.

O instrumento não é maior que a causa porque depende dela.

Por isso, a honra do que é causa é superior:

“Ao Rei dos séculos, Deus único, invisível e imortal, honra e glória pelos séculos dos séculos!” (I Timóteo 1, 17)

Mas isso não significa que aqueles, enquanto instrumentos, não sejam dignos de honra:

“Deus dispôs o corpo de tal modo que deu maior honra aos membros que não a têm,” (I Coríntios 12, 24)

“Para vós, portanto, que tendes crido, cabe a honra.” (I Pe 2, 7)

“Paz, honra e glória a todo o que faz o bem,” (Romanos 2, 10)

A honra de Deus é de Senhor.

A honra dos intercessores é de servos fiéis e justos:

Ninguém se apropria desta honra, senão somente aquele que é chamado por Deus, como Aarão.” (Hebreus 5, 4)

“(…) para que a prova a que é submetida a vossa fé redunde para vosso louvor, vossa honra e para vossa glória, quando Jesus Cristo se manifes­tar. (I São Pedro 1, 7)

Não há idolatria, porque a fé que os Apóstolos guardaram na Igreja há mais de dois mil anos, ensina fazer distinção entre Causa e instrumentos; entre o Mediador e seus intercessores; Cabeça e membros do Corpo; e entre a Divindade e a humanidade.

Se o Corpo de Cristo há de ser honrado e glorificado, maior glória e honra cabe à Cabeça que aos membros, obviamente.

Todavia, ao desonrar os membros, desonra-se todo Corpo que é uno.

Mediar é ser o caminho que liga e leva uma coisa à outra[6].

A mediação de Cristo reuniu novamente Deus com a humanidade.

Sua exclusividade está em que só Ele, por seus méritos na cruz, pôde receber de Deus o amor que perdoa os pecados para a vida eterna.

E esse amor não foi recebido para proveito próprio, mas para partilhar conosco, senão não teríamos chance de salvação.

Todo aquele que, unido em Cristo, recebe esse amor, deve compartilhá-lo com os que ainda não o tem.

2 – Cristo permite que participemos das suas obras, porque a graça Divina há de ser compartilhada e participada a todos.

A Igreja é a continuação história de Cristo entre nós:

A oração santifica no amor quem ora e quem a recebe.

O milagre santifica no amor o milagreiro e o favorecido.

E a caridade santifica no amor aquele que partilha e o que dele recebeu.

Dons e bençãos são participativos, e neles se beneficiam o intercessor e o seu beneficiado.

Intercedemos porque nos é dado por Cristo o papel de agentes auxiliadores da conversão alheia, além de dispensadores das bênçãos aos necessitados:

“Acima de tudo, FAÇAM PRECES, ORAÇÕES, SÚPLICAS, AÇÕES DE GRAÇA por todos os homens,” (I Timóteo 2. 1)

COMO BONS DISPENSADORES DAS DIVERSAS GRAÇAS DE DEUS, cada um de vós ponha à disposição dos outros o dom que recebeu: (I São Pedro 4, 10)

É dessa maneira que nos apresentamos, quando somos os joelhos dobrados por aqueles cujos joelhos não se dobram; o ombro forte daqueles em cujos braços se esgotaram as forças; e as mãos que se unem para rezar por aqueles que perderam a fé:

 “Jesus crucificado não só reparou a justiça do Eterno Pai, ofendida, senão que mereceu a nós, seus consangüíneos, abundância de graças. Essas graças podia ele distribuí-las diretamente por si mesmo a todo o gênero humano. Quis, porém, comunicá-las por meio da Igreja visível, formada por homens, afim de que por meio dela, todos fossem, em certo modo, seus colaboradores na distribuição dos divinos frutos da Redenção.[7]

Cristo, sendo causa de todos e em tudo, poderia agir sozinho.

Todavia, escolheu ser CORPO.

Num CORPO PERFEITO, todos os seus membros são funcionais, não apenas a Cabeça.

3 – Em sua humanidade sobrenatural, Cristo é a sua Igreja, formado por membros. E cada membro nele renascido no Batismo[8], tem acesa a luz da imagem de Deus, tornando-se refletor da mediação Divina por suas intercessões.

Cristo, enquanto mediador é CORPO, e não indivíduo isolado dos seres humanos.

É a Divindade e a humanidade em comunhão conosco, não apenas por seu espírito, mas também por sua carne e o seu sangue.

Nele, renascemos pelos sacramentos, para compor, como membros, seu grandioso Corpo.

A humanidade de Cristo não é sozinha.

É a recapitulação de toda humanidade nele renascida.

O Corpo de Cristo não briga entre si.

Quando um dos membros atua em prol dos outros, não faz por si, mas por meio da Cabeça.

O corpo que briga entre si, se divide.

E corpo dividido é esquartejado, inútil, e nele não há vida.

Por isso, quando um sacerdote intercede por nós junto à Cristo, ele atua através de Cristo, em Cristo e para Cristo.

OS SANTOS DO CÉU ESTÃO MORTOS?

 


 

[1] I TM 2,5.

[2] Cristo entrou, não em santuário feito por mãos de homens, que fosse apenas figura do santuário verdadeiro, mas no próprio céu, para agora se apresentar intercessor nosso ante a face de Deus. (Hebreus 9, 24)

[3]  Assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outro.” (Rm 12, 5)

[4] Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento. (I Coríntios 1, 10); O homem que assim fomenta divisões, depois de advertido uma primeira e uma segunda vez, evita-o, (Tito 3, 10)

[5] Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo. (Efésios 4, 15)

[6] Catecismo 96. 1 a 5.

[7] Encíclica MYSTICI CORPORIS. 1.943. Papa Pio XII.

[8] “Em verdade nos digo: Quem não renascer da água e do espírito não poderá entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; o que é nascido do espírito é espírito.” (Jo ,3 5 e 6)

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