1 – Supõem alguns que existe caridade sem fé, vez o ser humano pode realizar na irreligiosidade coisas boas e úteis em favor do próximo, da mesma forma que muitos que receberam a fé são incapazes de praticar o bem em proveito alheio.
2 – No mais, parece que a bondade vem da razão natural, do que sua realização não dependeria da fé, mas apenas de uma boa consciência moral.[1]
3 – Além disso, queremos o bem a nós mesmos, do que se concluiu que se nos é possível as boas obras em proveito próprio, também nos é em favor de terceiros.
4 – Ademais, a caridade é o filho amar e cuidar dos pais, e isso não vem da fé, mas da natureza afetiva do parentesco.
MAS EM CONTRÁRIO:
Disse Cristo, que se nossa justiça não exceder a justiça dos fariseus, de nada valerá para Deus.[2]
E ainda, que nenhum mérito teremos se não amarmos nossos inimigos, amando somente aqueles que nos amam e são passíveis de serem por nós amados.”[3]
SOLUÇÃO:
Amar o inimigo que nos odeia com asco e ira, o qual ficaria feliz com nossa morte, está muito além da capacidade do afeto, da moral ou da razão natural.
Essa é a verdadeira caridade, que está na partilha do amor aqueles que não merecem.
Assim Cristo fez, dando sua vida, para que tivessem vida aqueles que o feriam, açoitaram e o mataram em morte vergonhosa na cruz.
Somos salvos no sacrifício de Jesus.
E todo sacrifício de amor é proveitoso ao próximo.
Por isso, não podemos desconsiderar que a caridade tem como fonte o Amor Divino, o qual não encontramos na natureza humana, senão, quando esta se torna participante da Divindade por meio da comunhão com Cristo,[4] de onde se responde as questões:
1 – Sendo a caridade perfeita, que nos faz amar nossos inimigos, o fruto da comunhão com Deus, não podemos tê-la no anticristianismo ou na falta de espiritualidade.
Existe em todo ser humano aquilo que amamos e odiamos.
Por isso, amar o ser humano pelo ser humano é um amor incompleto e imperfeito, pois não conseguimos amar o que nele detestamos.
Mas em Deus, tudo é amável, e nada há que possamos odiar.
Por isso, amar a Deus no próximo é o amor perfeito, e isso só se tem naquele que já não vive por si, porque Cristo vive nele.
Quem não ama os filhos não ama o Pai, e isso se aplica a Deus, porque Ele quis ser amado no próximo quando imprimiu neste a sua imagem.
O amor ao próximo é o resultado do amor que temos por Deus.
Há os que receberam a fé da Igreja, mestra da caridade e da verdade, mas por egoísmo e desleixo desprezaram o pobre, o injustiçado, o perseguido e o carente.
Isso não é defeito da fé recebida, mas do fiel que não buscou que essa fé recebida se conservasse e progredisse.
2 – Pela razão natural e inteligência emocional, não podemos amar quem nos queira mal.
E pela educação intelectual, somos capazes de arquitetar sabiamente a forma de subjugar aqueles que nos odeiam.
Logo, o argumento da caridade pela razão natural e pela educação intelectual não se sustenta.
Amar o inimigo é extremamente necessário para que ele possa aprender o amor, preparando sua alma para que no perdão, possa se encontrar com Deus.
Ora, esse amor entre os contrários não é natural, mas sobrenatural.
3 – Ter amor próprio é comum tanto aos que tem, quanto aos que não tem caridade, pois é um princípio da lei natural, que nenhum ser deseja sua própria destruição.
Mas o que tem caridade ama a si, porque acima de tudo ama a Deus, e se reconhece como imagem dele, desejando se conservar para manter no mundo os bens espirituais que Deus lhe deu.
E, assim, ele ama o próximo porque a mesma imagem de Deus que vê em si, também a reconhece no outro.
Se, como prova de amor, Deus tornou-se homem, e se doou para que os que estavam perdidos encontrassem o caminho, aquele que ama a imagem de Deus em si e no próximo, deve ver na partilha o meio mais sublime de praticar esse amar.
Já o que não tem caridade, ama a si próprio no egoísmo, que é o princípio de todo pecado,[5] e não visa partilha, apenas ganho, sendo que até o que faz em favor de outro é para obter benefício.
4 – A natureza afetiva do parentesco leva não só os humanos, mas os seres irracionais a cuidarem de seus filhos.
Mas esse bem existe apenas temporariamente, enquanto existir o afeto.
Só quem ama Deus pela razão, ao ponto que querer imitá-lo, pode amar seus filhos, ainda que estes não mereçam, pois foi assim que Deus nos amou.
[1] Conforme o pensamento da Filosofia Iluminista de Voltaire, Diderot, Kant e Jean Jacques Rosseau. (séculos XVIII-XIX)
[2] Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus. (São Mateus 5. 20)
[3] “Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. 45.Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.”(São Mateus 5. 44 e 45)
[4] “Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes, no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade. (São Tiago 1, 17)” SE UM MEMBRO SOFRE, TODOS OS MEMBROS PADECEM com ele; SE UM MEMBRO É TRATADO COM CARINHO, TODOS OS OUTROS SE CONGRATULAM por ele. (I Coríntios 12. 26) “[…] uma vez que há UM ÚNICO PÃO, nós, embora muitos, FORMAMOS UM SÓ CORPO PORQUE todos nós COMUNGAMOS DO MESMO PÃO. (I Coríntios 10. 17)
[5] “Ninguém busque o proveito próprio; antes, cada um, o que é de outrem.” (I Coríntios 10:24)